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São nove da noite e acabo de deitar os meus mais pequenos. A Benedita adormeceu a falar do primeiro dia da escola, do novo professor e de um recreio que, aos seus olhos, parece uma cidade inteira. O Afonso, mais calado e com o poder de se enrolar em si próprio, fez-me uma pergunta: e se um dia eu for para a guerra? Que não pensasse nisso, respondi-lhe sem hesitar. No dia em que nasceram, como fiz com os mais velhos, prometi que nunca os infantilizaria, mas a pergunta relembrou-me a promessa e alterou o tema da crónica. Drones russos a atravessar as fronteiras da NATO, israelitas a atacar alvos estejam eles onde estiverem, americanos à beira de uma guerra civil, China a farejar Taiwan como os perdigueiros a caça, Paris a arder e milhões de mortos no Sudão a que quase ninguém liga por estarem demasiado distantes, serem demasiado pretos, demasiado pobres e demasiado inúteis no jogo global. O Afonso de oito anos perguntou-me e eu menti. Porque os nossos filhos podem mesmo ter de ir à guerra e morrer num combate que não deveria ser o seu. Que Mundo é este? Que loucura é esta? Que ódio é este e de onde vem? Aviões não tripulados invadiram o espaço polaco, centenas de declarações foram feitas e a NATO ficou a postos. Máquinas de guerra em frente a outras máquinas de guerra, bombas atómicas em frente a outras bombas atómicas e eu a adormecer o Afonso com o meu melhor sorriso e as minhas palavras mais doces. "Guerra? Não, meu querido filho. Confias no pai?"