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A popular Maria Vieira deixou de ser a única figura do Chega ligada à cultura. André Ventura, por intermédio do cabeça de lista à presidência da Câmara de Idanha-a-Nova, anunciou uma candidata de peso à Junta de São Miguel de Acha: nada menos do que a filha de Maria João Pires. Joana, que além de Pires tem o apelido do pai alemão, o senhor Ernst Ortwin Noth, tem a sua cara nos cartazes e promete que nada ficará na mesma. Perdoem-me a náusea passageira, um ardor de refluxo que se resolve com comprimidos numa farmácia de serviço. É que ver a filha da genial pianista oferecer o seu nome à causa de Ventura tem o efeito de uma estalada que nos surpreende as entranhas. Rodeada de tanta beleza, rodeada da mais pura genialidade, rodeada pelo belo de sonatas magistrais, pelo carinho de um país que ofereceu (justamente) um altar à sua mãe, rodeada de livros e amigos dos quatro cantos do Mundo, mesmo assim... mesmo assim escolheu oferecer a única coisa que tem (o seu nome) a um projeto político culturalmente intolerante, marcadamente racista, profundamente alinhado com projetos que não toleram a troca, a empatia, o respeito pelo outro, que prometem afundar a democracia e ameaçam, direta ou indiretamente, os que se opõem antecipando o momento em que chegarão ao poder. Cara Joana Pires, a senhora é capaz de achar o contrário, acreditar até que está bem acompanhada. Se for isso, peço desculpa. É apenas um sinal de que não aprendeu nada com a beleza - mas isso sabemos que aconteceu muito ao longo da História.