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Em meio a jogos de lotaria que movimentam milhares de milhões, a Santa Casa deveria ser o farol de esperança para os desassistidos, os idosos que tremem nas sombras do abandono e as vítimas silenciosas de violência doméstica. Mas, o que vemos? Uma entidade cada vez mais afogada em denúncias de politicagem e acusações de cargos não como vocação, mas como recompensa a lealdades partidárias.
Demitidos mas mantidos em funções contra a sua vontade, os mesários da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa estão presos aos seus cargos numa espécie de greve de zelo que também se assemelha a uma épica caçada ao bode expiatório.
A violência doméstica, especialmente contra os idosos, é um dos muitos flagelos que a Santa Casa é chamada a combater. Mas como lutar contra essa violência quando a própria instituição parece estar em guerra consigo mesma? Nas mãos de quem estamos a deixar os destinos daqueles que deveriam ser protegidos, amparados e respeitados?
O cenário é desolador. Uma privatização pode até trazer uma nova fachada, talvez um sistema mais polido e menos burocrático. Porém, em meio a essa transformação, corremos o risco de perder a humanidade do nosso trabalho. Corremos o risco de esquecer que, no fim do dia, as estatísticas que tanto queremos melhorar representam pessoas, histórias, vidas.
Precisamos de uma Santa Casa que seja mais do que uma casa de apostas ou um trampolim político. Precisamos de uma Santa Casa que retorne à sua missão fundamental: ser verdadeiramente uma casa de misericórdia.
A caridade não pode ser uma máscara que vestimos para ocultar a nossa indiferença. Deve ser a expressão mais sincera de nossa humanidade. Se falharmos nisso, falhamos não apenas com aqueles que dependem da Santa Casa, mas com o próprio conceito de sociedade civilizada. Antes de dividirmos a Santa Casa em dois e entregá-la ao mercado, talvez devêssemos primeiro reunir os pedaços da nossa consciência. Talvez devêssemos olhar no espelho, ainda que embaçado, e perguntar: estamos realmente a fazer o suficiente?