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Discutir as ações irresponsáveis, demagógicas e antidemocráticas do Chega é uma perda de tempo e um potencial ganho de popularidade para o partido. Parece um paradoxo, porque a política alimenta-se do debate permanente, não há outra maneira de encontrar consensos e conclusões, só que nem todos merecem ser ouvidos ou levados a sério, mesmo em democracia e sobretudo quando a amplificação da retórica demagógica pode, no limite, colocar em causa pilares essenciais do regime democrático. O avanço radical colocou-nos neste solo de areias movediças onde nos movimentamos todos os dias, mas continua a ser importante avançarmos, se possível selando os números de política circense com o lacre do esquecimento. Nunca conseguiremos fazê-lo sem discutirmos todas as questões. Neste caso, o biombo extremista escondeu o problema do congelamento dos salários dos políticos. Num país de baixos vencimentos e rendas altas, onde boa parte dos jovens, mesmo com formação superior, enfrenta dificuldades para sair de casa dos pais e onde milhares de reformados com pensões miseráveis contam cêntimos para comprar medicamentos, o descongelamento dos salários dos titulares de cargos públicos pode soar a tremenda injustiça. É compreensível que trabalhadores responsáveis e incansáveis, que passam 30 dias à espera do salário mínimo ou de um pouco mais, se sintam revoltados. Mas também é fundamental percebermos por quem queremos ser governados. A política é pouco atrativa para homens e mulheres sérios, competentes e empregados. Qualquer bom gestor ganha mais no privado do que num cargo público. O risco de, também por falta de alternativa, entregarmos o país às incompetentes clientelas partidárias é real, pelo que, até por isso, faz sentido que as remunerações obedeçam a padrões de dignidade compatíveis com os cargos.