Está a bater à porta mais uma Páscoa confinada e à falta das habituais confraternizações familiares e das reuniões de amigos, onde há sempre espaço para mais um, mais nos vale pensar nos pratos típicos da época.
Corpo do artigo
Com sorte, teremos sempre a companhia de um deles, seja cabrito ou borrego, amêndoas ou folar, para confortar a alma e avivar a memória de outras épocas festivas em que a casa estava tão cheia quanto a mesa.
Comer e beber trazem-nos memórias e é sobre elas que gostava de vos falar nestes tempos em que há novos valores e novas ideias que se querem sentar à mesa connosco. Não queria que julgassem que alguma coisa me anima contra as correntes alimentares mais alternativas, mesmo que não seja praticante destas novas "religiões". Conheço quem apoia e pratica a total restrição de alimentos de origem animal ou até a total restrição de cereais e leguminosas, ou o consumo exclusivo de alimentos biológicos. O que acho é que muitas vezes não diz a cara com a careta quando estas correntes se reclamam seguidoras fiéis de um novíssimo e apurado conceito de sustentabilidade.
Será pior para o ambiente consumir um cabrito da nossa terra, criado de acordo com todas as condições de higiene, segurança e bem-estar, ou optar por uma salada biológica de quinoa nativa de países longínquos como o Peru ou a Bolívia? Não garanto, mas julgo que a resposta certa está mais perto do que longe.
Também há dietas que rejeitam a batata (pelos vistos, a culpa é do amido...), mas que propõem a ingestão diária de três ou mais alimentos de proteína animal. Será essa proposta assim tão saudável para o corpo e para o planeta?
A mesma questão podemos colocar quando, em vez de uma laranja do pomar do outro lado da rua, optamos por comprar uma manga biológica. Lá porque tem essa chancela, nada nos diz sobre onde foi cultivada nem por quem.
Vale a pena por isso avivar a nossa memória gastronómica coletiva, que nos enche de orgulho e tem soluções para todos os gostos, e conhecer os pressupostos que estão por trás dessa palavra bonita que é a sustentabilidade. Para que um produto, alimentar ou não, seja sustentável há que o analisar do ponto de vista dos impactos sociais, energéticos, económicos e, naturalmente, ambientais.
Um bom exercício será, por isso, consumir a laranja do pomar do outro lado da rua que por ser cultivada próximo de nós tem, à partida, uma pegada ecológica menor, e sempre damos uma mão, e já agora um sorriso, ao dono do pomar que nestes tempos bem precisa de incentivos económicos e sociais.
Quem diz a laranja, claro está, diz os ovos para o folar, as amêndoas, a batata e o arroz que não podem faltar ao assado e, quem sabe, um cabrito a estalar regado com um bom vinho do Douro. Mais vale um cabrito na mão do que meia dúzia de teorias demagógicas a voar por aí baixinho. Bom apetite.
*Empresário