Aldeia de Melgaço passou a Páscoa "parada" à espera de sair da cerca sanitária na terça-feira
A cerca sanitária imposta à aldeia de Parada do Monte em Melgaço, desde 25 de março, deverá ser levantada na próxima terça-feira.
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Cinco dos sete infetados com Covid-19 na freguesia, foram hospitalizados, mas quatro já passaram a Páscoa em casa e os restantes estão a recuperar. Os presidentes da Junta, Ricardo Alves e da Câmara de Melgaço, Manoel Batista, concordam que "se até terça-feira não aparecer mais nenhum caso, há condições para levantar a cerca sanitária".
A decisão será tomada no nesse dia numa reunião marcada para o efeito com a autoridade de saúde. "À partida faremos o levantamento da cerca. As pessoas estão tranquilas e não houve mais casos", adiantou Manoel Batista.
Até lá aquela aldeia de Melgaço, fechada há 20 dias, continuará a fazer jus ao seu próprio nome: parada.
"As pessoas têm obedecido. Está tudo em casa, mesmo sendo domingo de Páscoa. Aliás, aqui agora todos os dias parecem domingo. Vê-se apenas uma pessoa ou outra nos caminhos e nos campos", afirmou o autarca Ricardo Alves, lamentando a ausência do Compasso que, por tradição, percorre as ruas seguido pelas gentes da terra. E enche o coração da aldeia de ambiente festivo.
"Em vez das campainhas e do barulho das pessoas reunidas, ouvem-se os passarinhos", lamentou, comentando: "Se não fosse este vírus, hoje andávamos todos atrás da cruz, assim anda a cruz atrás de nós". E adiantou que o "medo" tomou conta da população envelhecida. Dos sete infetados, apenas um tem menos de 80 anos.
O Jornal de Notícias visitou Parada do Monte este domingo de Páscoa pela manhã, e encontrou caminhos e ruas vazios. E alguns habitantes assomados à porta ou à janela, a escutar a missa que estava a ser transmitida a partir da igreja paroquial para toda a aldeia.
"Preparamos esta celebração com um grupo restrito de pessoas (cinco) e vivemos a Páscoa desta forma: através da Internet, neste caso do Youtube, e pelo nosso altifalante. As pessoas seguem-nos, até no estrangeiro", contou o padre Raul Fernandes, referindo que na eucaristia dominical incluiu "a ladainha da procissão de recolha da Cruz no fim do Compasso pascal para que as pessoas sentissem esse momento".
Aquela freguesia, situada a mais de 700 metros de altitude, tem cerca de 350 habitantes e todos sentiram a ausência de Páscoa, à exceção de dois.
José e Maria, de 88 e 82 anos, que estão infetados com Covid-19, tiveram direito a uma espécie de visita pascal. Após celebrar uma missa especial de Páscoa, o pároco bateu-lhes à janela. Levou viseira, máscara e luvas, e em vez do Compasso, um termómetro para lhes medir a febre.
A única filha do casal tem de se manter afastada e o padre é quem garante uma retaguarda aos pais. José e Maria receberam-no com alegria. "Senhor padre que missa tão bonita, até deu gosto ouvir. Ai que maravilha, eu tanto gostava de ir à igreja, ia sempre, mas agora não posso", disse a mulher. José estava "mais alegre que o costume" e termómetro indicou que, tanto ele como a mulher, estão a recuperar. "Deu 36º aos dois. No domingo passado o José tinha 37º. Agora estão empatados", brincou o Padre Raul.
A cerca sanitária foi imposta no dia 25 de março, quando José ficou doente por causa do vírus maldito. "Está tudo a correr mais ou menos graças a Deus. Quem me dera sair, mas isto são coisas que nunca se viram. Tenho 88 anos e ninguém se lembra de uma coisa destas: o Mundo inteiro paralisado".
Queixosa por causa da pandemia, anda Maria Esteves, a habitante mais velha de Parada do Monte. Cumpre 100 anos na próxima sexta-feira, 17 de abril, e a festa não vai ser como desejava. Mãe de seis filhos, tem "mais de vinte netos, 10 bisnetos e dois tataranetos", terá de esperar por melhores tempos para soprar as velas com todos aos seu redor. "Não há Páscoa, não há nada. Não me deixam ver os filhos nem coisa nenhuma. Queria vê-los. Falo com eles, mas só por telefone. Eles coitados também queriam vir cá e não há meio", lamentou a centenária, comentando: "Se me levassem a sair, ia já. Tenho saudades desse monte por aí arriba. Agora estou em casa e oiço a missa da janela".