Eva andava nisto vai para mais de 20 anos. Pedia. E pedia. Esta sexta-feira, tirou o dia para ver com os próprios olhos a vitória: Couce, lugar afastado do mundo a minutos do Porto, recebeu as primeiras caixas de correio. Veja o vídeo.
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Couce, 14 de março de 2014. Eva Almeida vestiu-se a preceito e desceu às traseiras da casinha. Na eira de ardósia que assinala o provável centro da aldeia havia muito mais gente do que as 14 ou 16 almas que por ali pairam habitualmente. Vieram assistir à chegada do passado àquele lugar escondido na faldas da serra de Santa Justa, Valongo, a dois passos do Porto: as primeiras caixas de correio. Na era do email.
"Eu acho que é muito tarde já... Devia ter sido pr'aí há 30 anos". Fala pausada, a mulher que, não sendo representante nem presidente de coisa nenhuma, é a voz que puxa a vida até Couce. Pedia. "Ui, sei lá, há 20 e tal...30 anos". Agora pede dois quilómetros de paralelo ("É cubo que se diz, não é?") para acabar a estrada aberta há 30 anos que liga este fim de mundo a S. Pedro da Cova, em Gondomar.
Porquê? Porque é para lá que os mortos de Couce ainda vão. E os recém-nascidos também, a batizar. Porque Couce é tão despido de tudo que nem Páscoa tinha quando ainda vinha o pároco de S. Pedro da Cova animar a capela privada que ali há. "Aqui era a Pascoela, no domingo a seguir". Agora nem isso. Valem os carros, há dez anos que chegaram ali.
E foi o carro de Manuel Moreira que valeu, até agora. Era o "carteiro" oficioso de Couce, o homem que trazia as boas-novas do Café da Azenha, a última povoação da civilização do lado valonguense. Foi para ali que passou a seguir a vida dos moradores da aldeia, depois de uma atribulada indefinição no pós-25 de Abril. Havia recenseados em Valongo, em Campo, em S. Pedro. Além dos mortos e das missas, as licenças e as cartas eram em Gondomar. "O meu sogro perdeu três juntas médicas porque o correio caía lá, ninguém lá ia e calavam-se".
Na Azenha, tudo ficou mais fácil. E sempre dava para Manuel tomar um café. Quase diário, diz. Pelo menos para ele, que tem uma das quatro casas habitadas da parte de cima de Couce (há mais três junto ao rio), porque foi operado ao coração e a mulher também e é muita correspondência do Hospital de S. João, entre consultas e exames e adiamentos e... Coisas que Eva entende que ninguém tinha nada que saber, mas que, até ontem, andavam por mãos alheias. Isso e reformas e tudo. Ganhava se se candidatasse a presidente da junta, houvesse uma em Couce.
Fica definitivamente no Mundo este pedaço de paraíso descoberto pelos desportos de natureza (amanhã, é atravessado por uma corrida de montanha)? Ora bem, tem água canalizada. "Porque nós a puxamos das nascentes". A rede de canalizações feita há anos pelo anterior Executivo, aquando da reabilitação da aldeia, nunca funcionou. Um dia, tentaram ligá-la e saiu... pelos candeeiros da rua. "Era um chafariz!"