Câmara de Vila do Conde nega ilegalidade e diz que APA está enganada. Moradores pedem atuação.
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É um edifício de três andares, com 11 apartamentos, que está a ser construído a 50 metros da zona dunar, em cima da faixa de proteção costeira, em Mindelo, Vila do Conde. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) chumbou a obra, que viola o atual POC (Programa da Orla Costeira) Caminha-Espinho, mas a Câmara licenciou e garante que, à época, vigorava o POC anterior e, portanto, está "tudo legal". Moradores e ambientalistas reclamam. A APA diz que é um "ato administrativo nulo", mas ninguém pára a obra.
"Esta é a única duna que nos protege dos avanços do mar e é o limite da primeira reserva natural de Portugal [a Reserva Ornitológica de Mindelo (ROM)]", afirma uma das moradoras, perante o prédio que cresce a olhos vistos. Os que ali moram constituíram o grupo "Preservar Mindelo". Fizeram queixas e reclamações. "Dão-nos razão, mas não agem", lamenta. Não dão a cara por temerem represálias.
Obra quase pronta
Estão há quase cinco meses a batalhar. A APA está a "estudar". A Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território remete para a APA. As duas pedem explicações ao Município e enviam o caso ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. E, enquanto se trocam e-mails, a obra está quase pronta.
A janeiro de 2021, a APA deu parecer desfavorável à obra. "Face à classificação de "zona de risco", observando o peso crescente das alterações climáticas e em cumprimento do princípio da precaução e prevenção, torna-se pertinente atender aos estudos desenvolvidos no âmbito dos trabalhos de elaboração da proposta de POC", diz a agência, considerando que a construção "resulta em agravamento do risco", destrói a duna e põe em causa "ecossistemas e habitats" da ROM.
Em abril de 2022, a Câmara licenciou a obra. Vítor Costa diz que o novo POC (embora aprovado em Conselho de Ministros ), "não estava ainda em vigor" e, à luz do anterior, a construção "podia ser licenciada". Senão, compraria uma guerra judicial como a que tem em Labruge, onde o promotor de um hotel (em cima da praia) pede, agora, 24 milhões em tribunal.
"A autarquia não pode dizer que não licencia porque a lei vai mudar um dia. Hoje, o que lá está não poderia ser feito, mas à data sim. O parecer da APA é absolutamente incompreensível e extemporâneo. Armou-nos uma salgalhada"
"Há um parecer negativo de uma entidade reguladora, ignora-se e licencia-se?", questionam os moradores. A Câmara diz que, à data do licenciamento, o parecer da APA já não era necessário [ler cronologia]. Já este organismo diz que está, neste momento, "a analisar o assunto, para avaliar a eventual nulidade do ato administrativo e as ações a implementar".
Processo
21/01/2021
O parecer dado pela APA ao pedido de informação prévia do promotor (que tinha dado entrada no início deste mês na Câmara de Vila do Conde) foi negativo. A APA alegou que deviam ser respeitados os estudos para a zona englobados na proposta do novo Programa da Orla Costeira (POC). Era vinculativo e a obra não avançou.
11/08/2021
O novo POC é aprovado em Conselho de Ministros. As autarquias têm um ano para atualizar ou rever documentos locais, como o Plano Diretor Municipal (PDM). Até lá, vigora o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) anterior.
10/04/2022
É aprovado o projeto para a Rua Fernando Pessoa de um edifício habitacional com cave, rés do chão e dois andares e acesso à cobertura. São 11 apartamentos num condomínio privado com piscina a 75 metros do mar.
23/08/2021
O antigo POOC é incorporado no PDM, em vez do novo, a 23 de agosto de 2021 e, com isso, o parecer da APA deixou de ser necessário para o licenciamento de obras.
12/01/2023
É emitido o alvará de obras de construção. A obra começou em fevereiro e, neste momento, o "esqueleto" do prédio está já praticamente construído.