O investidor do polémico Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha (CET), explicou, em entrevista ao "Expresso", o modelo de negócio, que levantou suspeitas e levou à demissão de quinta-feira do secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Miguel Alves.
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Segundo Ricardo Moutinho, rosto da empresa GreenEndogenous, promotora do polémico contrato, assinado com Miguel Alves em 2020, foram apresentadas propostas na mesma linha em "dezenas de municípios, de norte a sul do país" e concretizadas "reuniões com presidentes de câmara em mais de 20 municípios". A Guarda, foi um exemplo, onde Moutinho afirma que "foi detetada uma oportunidade de negócio concreta, com um investidor que concebe, constrói e arrenda", e "o município não tem de se endividar". "O endividamento é feito pelo privado", argumenta Ricardo Moutinho.
Na Guarda, o modelo de negócio não vingou, devido a alegadas "divergências" no seio do executivo de maioria PSD, mas foi replicado em Caminha, avançando pela mão de Miguel Alves.
A sociedade Green Endogenous comprometeu-se a executar um investimento de 8,5 milhões de euros na construção de um CET, que entregará à autarquia em regime de arrendamento por um período de 25 anos. Em contrapartida a câmara, por via de um contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais, avançou com um pagamento antecipado à empresa de 300 mil euros, equivalente a um ano de rendas (25 mil euros por mês).
A legalidade do negócio foi "validada" através de um parecer jurídico pelo Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Licínio Martins.
Inicialmente, a obra estava prevista para a Quinta do Corgo, mas as negociações para compra dos terrenos não foram avante, e o projeto do CET continua por concretizar.
Na entrevista ao Expresso, Ricardo Mourinho, afirma que, entretanto, "comprou 33 terrenos, num total de 10 hectares [situados nas freguesias de Vilar de Mouros e Argela] para a construção do centro". "Gastei cerca de 650 mil euros", refere, explicando ainda a necessidade de recebimento de "300 mil euros de rendas adiantadas". "Não há nenhum contrato de arrendamento em que seja o senhorio, ou neste caso o promitente senhorio, a entregar garantias ao inquilino. O adiantamento de rendas é um sinal de que a câmara se vai juntar a esse projeto e que o projeto irá mesmo acontecer", afirma.
Questionado sobre o prazo para entregar o CET ao município, o empresário indicou que "há uma primeira fase em que temos um prazo para apresentar um PIP [Pedido de Informação Prévia], há outra fase em que temos um prazo para comprar o terreno e outra em que temos outro prazo, que julgo serem 500 dias, para construir".
Nas declarações ao Expresso, Ricardo Moutinho, conta que conheceu Miguel Alves, após um contacto por email, efetuado na sequência da falha do negócio na Guarda. "A nossa equipa comercial decidiu começar a vender a mesma solução a vários municípios. O ciclo político é curto, são quatro anos, todos os autarcas querem investir, deixar a sua marca, ganhar as próximas eleições, tão simples quanto isso, e nós percebemos que havia muitas câmaras que depois da troika ficaram num contexto de endividamento que era altamente desfavorável", argumenta, acrescentando: "Existe uma coisa no Tribunal de Contas que são os rácios de endividamento que impedem as câmaras de fazer mais dívida para financiar novos projetos".
O rosto da polémica GreenEndogenous, explica ainda a forma como aquela empresa decidiu replicar o modelo de negócio no país. "Tínhamos o projeto de arquitetura da Guarda, que fracassou e onde gastámos 50 mil euros. Tínhamos o projeto, tínhamos um modelo de negócio, o CET, Centro de Exposições Transfronteiriço. Então, o que fizemos? Fomos ao Pordata e vimos os municípios onde o CET fazia sentido", conta, recordando que, no caso de Caminha, o primeiro contacto foi feito em abril de 2020 e em setembro desse ano "esteve presente numa reunião na Câmara de Caminha para falar do projeto".
"Nunca tinha estado numa reunião de câmara. Apresentei-me como um empresário que tinha várias empresas. De facto, verifica-se uma imprecisão nessa [ata de reunião]... ou minha ou da transcrição. Vou assumir ser minha, para não culpar ninguém. Digo que o financiador do projeto é a Green Endogenous, o que é errado", descreve, adiantando que, afinal, o financiador do projeto "é a Greenfield" constituída no Luxemburgo "no contexto da gestão de ativos", e em que o próprio é acionista.
Ricardo Moutinho assume-se ainda como CEO da Greenfield FZCO, uma companhia no Dubai criada "apenas por motivos de eficiência fiscal", o que significa não pagar impostos. "Digo isso abertamente porque é uma metodologia comum", refere, adiantando que a referida empresa é uma de "500 criadas pelo mundo" e que data junho de 2022. "O objetivo dessa empresa é precisamente acabar com essa desagregação das empresas-veículo. Queremos centralizar todas as empresas numa única holding. Estamos a mudar gradualmente as participadas para a Greenfield FZCO", comenta.
Ainda ao Expresso, Ricardo Moutinho conta que, faz questão de manter ligações com Miguel Alves, e que a última vez que falou com o ex-autarca e Secretário de Estado demissionário "foi na terça-feira, 8 de novembro". "O dr. Miguel Alves está a passar por um momento difícil, um momento profundamente injusto, e eu sinto-me na obrigação, de alguma forma, de o apoiar nesta situação", declarou, concluindo: "Não tenho nenhum problema em dizer que falo e falarei com o dr. Miguel Alves - aconteça o que lhe acontecer - para sempre. E que o considero um amigo e lamento imenso aquilo por que está a passar. Considero que está a sofrer uma injustiça que não tem palavras".
O polémico contrato assinado por Miguel Alves, enquanto autarca de Caminha (PS), vai voltar a ser discutido no próximo dia 17, numa assembleia municipal extraordinária requerida pela bancada do PSD e em que este partido "recomenda" a sua resolução.
Desta vez, o assunto vai a assembleia por causa da controvérsia que se gerou, a partir de uma notícia do jornal Público (de 26 de outubro) sobre um "pagamento duvidoso" feito pela Câmara à GreenEndogenous.
Após o estalar da polémica, que se foi avolumando no plano mediático, o secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, acabou por se demitir ontem, dia em que foi acusado do crime de prevaricação pelo Ministério Público (MP) no âmbito de um outro processo que nasceu da Operação Teia.