Alfredo Peres, 74 anos, está há 10 sozinho. Portuense de gema, mantém rotina desde jovem e não se considera vítima do isolamento.
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Bateu-lhe à porta há dez anos, mas Alfredo Peres recusou deixar a solidão entrar. Diz-se "otimista por natureza" e rejeita encarar o facto de estar sozinho como uma condição necessariamente triste. "Naqueles dias piores, tento dar a volta ao texto e pensar noutras coisas para não ir abaixo", acrescenta o portuense, de 74 anos, secretário do centro de convívio de reformados do Porto, na Rua das Musas. É lá que passa as tardes, sempre depois de ir ao café. Mesmo que assim não fosse, "não ficava em casa. Tinha de sair para outro lado qualquer".
A rotina que traça desde os 18 anos permitiu-lhe conhecer, num domingo à tarde, Maria Margarida, a mulher que o acompanhou por quase 40 anos, enquanto a saúde permitiu.
"Faz falta. Desde que a minha mulher morreu, fiquei aqui só, e às vezes, claro, sinto mais a falta de ter alguém. Mas também há dias em que não tenho problema nenhum", admite. A companhia de duas gatas, ainda que "independentes" (tal como o dono), atenua a sensação de isolamento.
Alfredo sorri: "Uma delas vem sempre para a minha beira quando estou a ver televisão. Vem passar o tempo comigo".
"nunca gostei do natal"
Nasceu em Santo Ildefonso, no coração do Porto, e hoje vive na Rua de Anselmo Braancamp. Trabalhou em Leça da Palmeira, em Matosinhos, quando o escritório dos despachantes da Alfândega mudou para o Porto de Leixões.
Aos 26 anos saiu de casa, altura em que casou com Maria Margarida. Tiveram dois filhos. Gémeos verdadeiros. "Um morreu aos 23 anos. Ia no passeio, tropeçou e foi parar à estrada. Um carro passou, bateu-lhe na cabeça e ficou lá", recorda Alfredo, admitindo que "ainda hoje" custa falar sobre isso. O filho deixou-lhe um neto, Diogo. "Tinha um ano ou dois quando o pai morreu. De vez em quando, vem cá", refere.
"Do meu outro filho, tenho dois netos. Está em França a trabalhar, mas tem casa em Valongo. Vem cá no Natal, mas é engraçado: passo o Natal sozinho. Prefiro", ri, confessando que o filho "fica chateadíssimo" por não ir a casa dele.
Alfredo explica: "Nunca gostei do Natal. Quando era miúdo, os natais também não eram muito bons e é um dia que, para mim, não dá para conviver. Não gosto do dia e fico chateado. Mas faço tudo: rabanadas, bacalhau...".
"Não sei qual é a reação das outras pessoas, mas eu encaro a solidão com naturalidade. Não é um problema. Mas há quem não tenha opção", lamenta. v