Um simples "click" numa mente feminina e uma fábrica de camisas que empregava quase uma centena de pessoas em 2004 foi salva da sua deslocalização premeditada silenciosamente pelos patrões alemães.
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Cinco anos depois do episódio a unidade labora com sucesso mas… nas mãos de uma trabalhadora. Com um volume de facturação de 1,3 milhões de euros estimado para este ano, 105 trabalhadores, mais dez que em 2004, e clientes fixos em vários pontos do globo, mas principalmente na vizinha Espanha, a Afonso- Produção de Vestuário, que labora ininterruptamente desde 1991 na zona industrial de Paçô, em Arcos de Valdevez, está de boa saúde e recomenda-se. Isto apesar de ninguém saber do paradeiro dos seu antigos proprietários que se colocaram em fuga a 29 de Novembro de 2004 para não mais dar a cara, depois de longas horas de braço de ferro com os seus trabalhadores. Na tarde desse dia, uma trabalhadora descobriu "por casualidade" os administradores a tentar retirar, pela calada, máquinas e mercadoria da fábrica, com a ideia de deslocalizar a produção para a República Checa.
Conceição Pinhão, 47 anos, antiga funcionária administrativa e hoje gestora da fábrica, cujo forte são as camisas para homem, diz que nada fazia prever o que aconteceu. "Não havia sinais de nada. Estava tudo normalíssimo. Foi só por uma frase que eles disseram ao funcionário de armazém que por acaso comentou comigo. Perguntaram-lhe como é que funcionavam a porta do cais e a alavanca elevatória para cargas e descargas", lembra, explicando o motivo da sua desconfiança de que algo se poderia estar a passar nas costas dos na altura cerca de 90 trabalhadores da Afonso. "Se eles eram administradores porquê aquele interesse?", refere, recordando ainda que nesse dia os patrões "saíram mais cedo, às 16h30, porque estavam cansados". "Fiquei a pensar naquilo e às 17h30 pedi à minha colega de escritório que fosse à fábrica para ver se via alguma coisa de anormal. Ela disse-me que o carro deles estava no parque e, pronto, foi aí o 'tilt'", diz.
E se Conceição Pinhão foi, graças ao seu "instinto feminino", a estratega do episódio que levou ao bloqueio da fábrica por parte de trabalhadores, familiares e amigos logo a seguir à surpreendente descoberta, já Miquelina Esteves, 47 anos, foi a executante. "Fui eu que os encontrei aqui a levar as coisas. A Conceição desconfiou, por causa daquelas perguntas, e pediu-me para no fim do trabalho, quando já não estava aqui ninguém, ir lá", recorda a trabalhadora, lembrando o "medo" que sentiu quando se apercebeu da presença dos antigos patrões. "Foi muito complicado porque no princípio só estava eu e o meu marido e não sabíamos o que fazer. Ficamos escondidos, começamos a ligar às pessoas para nos ajudarem e entretanto, fomos chamar outras que moravam perto. Quando voltamos já estava a chegar um camião e nós atravessamos o nosso carro na entrada do armazém e não o deixamos entrar", afirma, comentando com graça que a esta acção se sucedeu uma discussão "por gestos" com os alemães, porque uns não entendiam o português e outros o alemão.
A história das horas seguintes até os administradores fugirem, das vigílias nas noites seguintes, com receio de que houvessem novas tentativas, e da luta de Conceição Pinhão pela posse da fábrica já foi contada vezes sem conta em jornais, rádios e televisões e também pelas próprias trabalhadoras, que na sua grande maioria ainda continuam a laborar na fábrica que salvaram.