Sobrelotação das casas, pobreza e insegurança caracterizou o casco antigo da cidade do Porto durante décadas.
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Na Casa Lopes, uma típica tasca na Rua da Fonte Taurina, ainda se respira a antiga e velha Ribeira. Nas mesas ou ao balcão bebe-se vinho ao copo e cerveja mas o movimento é bem diferente de tempos passados. "Só de branco vendia dez barris de cem litros todas as semanas. Agora não vendo mais de dez litros, e o que sai mais é cerveja, que é o que bebem os turistas", conta o proprietário a trabalhar ali como empregado desde os 15 anos e mais tarde patrão.
Tem 73 anos e sabe do que fala. "Também havia muita miséria", acrescenta. Sentado numa cadeira, Carlos Manuel Amaral, de 67 anos, concorda. "Passava-se muita necessidade, era grande a pobreza mas havia espírito de entreajuda entre os moradores". Nascido e criado na Ribeira, Carlos concorda com a requalificação mas diz que "a mudança foi muito radical". Todos dentro da casa de petiscos concordam. "São só hotéis e hostéis".
Ao centro histórico chegou gente nova e "alguns são casais estrangeiros". Zé "Sapateiro", 71 anos, recorda os tempos de criança. "A malta vivia sobretudo na rua. Era na rua que tudo acontecia. As mulheres sentavam-se à porta e a canalha andava para cima e para baixo a correr descalça", relembra. Gente proveniente do Vale do Sousa e da região duriense que ali se instalavam nos quartos alugados pela Rosa "Padeira" ou pela "Mãe Preta".
Degradação
"Eu dormia num quarto com os meus pais, dois primos e os meus quatro irmão. Éramos nove a dormir dentro do mesmo quarto", conta Zé "Sapateiro". Tempos de degradação humana e de imoralidade. Foi essa comunidade que o padre Agostinho Jardim Moreira encontrou quando, em 1969, sem experiência, foi colocado na paróquia da Vitória, que nenhum padre queria assumir, pelo então bispo perseguido pelo regime de Salazar, D. António Ferreira Gomes.
Um ambiente retratado no "Estudo de Renovação Urbana do Barredo", realizado no mesmo ano pelo arquiteto Fernando Távora e que serviria de modelo para o trabalho realizado após o 25 de Abril pelo CRUARB, o Comissariado para a Renovação Urbana da Área Ribeira/Barredo.
"No prédio onde vivo chegaram a morar mais de cem pessoas. Hoje tem sete inquilinos", conta Carlos Manuel Amaral. Muitas famílias foram realojadas em bairros camarários, sobretudo no Aleixo. Outras, ao longo das décadas, fugiram para a periferia em busca de casas melhores. "Apesar de tudo, do que passei e daquilo em que se tornou a Ribeira, gosto de morar aqui. O pior que me podia acontecer era obrigarem-me a ir viver para outro local", diz Maria Olívia Rodrigues que, com 73 anos, espera chegar ao fim dos seus dias no local onde nasceu.