Entidade que avalia classificações fala em intervenções no Centro Histórico do Porto "muito preocupantes".
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Faz hoje 25 anos que o Centro Histórico do Porto foi classificado como Património Mundial. Mais de duas décadas depois, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), organização não governamental associada à UNESCO, mostra-se preocupada com a gestão realizada nomeadamente com demolições, "fachadismo" e com a perda e a "expulsão" da população residente da zona classificada.
São vários os relatórios que os responsáveis portugueses do ICOMOS têm enviado para os serviços centrais daquela organização dando conta de "intervenções gravosas". Nestes casos, o bem classificado fica sinalizado e, em último caso, pode ver a classificação retirada.
"O risco existe sempre, porque está previsto nas Orientações da Convenção para todos os bens inscritos da lista em que se verifiquem reiteradamente atos e intervenções gravosas para a salvaguarda do Valor Universal Excecional do Bem e que esses atos sejam assim considerados pelo Comité do Património Mundial que deverá antes inscrever o bem na lista do património em perigo", explicou ao JN Soraya Genin, presidente do ICOMOS Portugal. "A nossa avaliação global é de preocupação pela perda de autenticidade e de promoção do fachadismo do centro histórico classificado. Perda da população tradicional em muitos casos com a sua "expulsão" configurando o conceito de gentrificação que se verifica nas cidades históricas quando o foco principal é posto apenas na promoção do turismo como proposta única e preferencial para o futuro das cidades históricas classificadas", acrescenta a presidente do ICOMOS.
Sem preocupações
Soraya Genin contesta este "modelo de desenvolvimento baseado na aposta da recuperação do tecido urbano e monumental sem preocupações patrimoniais de autenticidade integridade e valor, mas apenas como um recurso económico para gerar negócio turístico preferencialmente sem políticas sociais de apoio à população e à vida coletiva e coesão comunitária". O arquiteto Rui Loza desdramatiza e considera que "há diversos mitos que importa desmistificar". O antigo presidente do CRUARB, o Comissariado para a Renovação Urbana da Área da Ribeira/Barredo (1974-2003) cujo trabalho esteve na base da candidatura à UNESCO, considera que "a velocidade da recuperação do edificado permitiu salvar centenas de edifícios em processo de ruína" e que a população residente não saiu em massa devido à reabilitação mas ao abandono a que estavam as casas votadas.
A mesma opinião tem a Câmara do Porto que, na quinta-feira, realiza uma sessão comemorativa na Casa do Infante onde será apresentado o projeto para o novo Plano de Gestão e Sustentabilidade do Centro Histórico do Porto, Ponte Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar, desenvolvido pela Câmara, através da empresa municipal Porto Vivo, SRU.
"Não tendo sido um processo isento de problemas e hesitações (nunca um processo de transformação urbana o é), não tenho dúvidas que a história dos últimos 50 anos do Centro Histórico é, inegavelmente, uma história de sucesso", diz Pedro Baganha, vereador do Urbanismo.
Já o ICOMOS aponta como exemplos de má prática os casos das Cardosas, do café Brasileira, do Hotel Eurostar na Rua do Bonjardim, da Pensão Monumental, do edifício Seguros Garantia, do quarteirão D. João I, da Cidade do Vinho em Gaia, dos edifícios no Cais da Estiva, da papelaria Araújo & Sobrinho e da envolvente à Estação de São Bento.
Já tive propostas para vender capelas e igrejas
Ao contrário do restante edificado, o património religioso não tem tido investimento público e muitos desses monumentos precisam urgentemente de obras de restauro. O padre Jardim Moreira alerta para o estado em que se encontram muitos dos templos que fazem parte da área classificada de património mundial. "É preciso um trabalho interativo entre o património religioso e as entidades civis da cidade. Senão, com esta desertificação, quem ganha é o imobiliário. Já tive duas propostas para vender capelas e igrejas para fazerem restaurantes e discotecas", diz.
Outro património
Guimarães
O Centro Histórico de Guimarães também foi inscrito pelo Comité do Património Mundial mas a 13 de dezembro de 2001. Valores de integridade e de autenticidade deram à cidade minhota um lugar na lista da UNESCO.
Douro vinhateiro
O Alto Douro Vinhateiro e as suas encostas monumentais talhadas pelo homem é paisagem cultural evolutiva e viva da UNESCO desde 14 de dezembro de 2001.