Sara Amaro e Júlia Pinho são motoristas e ainda sentem julgamento e discriminação atrás do volante.
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Conduzir autocarros ainda é um desafio para as mulheres que, cada vez mais, escolhem este ofício. Há quem fique surpreendido ao vê-las, lance um "olhar desconfiado" e até questione se são mesmo as condutoras, mas muito mudou. "Quando comecei, há 12 anos, muitos homens diziam que não entravam no autocarro porque o lugar da mulher era em casa. Hoje já não ouvimos isso", diz Sandra Amaro. A motorista, natural de Gaia, juntamente com Júlia Pinho, de Ovar, são as únicas mulheres na FlixBus.
Assim que entra no autocarro, numa das várias viagens que faz entre Porto e Lisboa, Júlia sente-se observada. "Os homens não dizem nada, mas percebemos pelo olhar. Quando arrancamos ficam na expectativa e no final da viagem dão-nos uma palmadinha nas costas, sinal de que desconfiaram que conseguíssemos". Começou a conduzir pesados depois de ficar desempregada, tal como Sandra. Nunca imaginaram que viriam a ser motoristas, mas garantem que já não se veem a fazer outra coisa.
"É cansativo, os horários por vezes são complicados, mas é aliciante", garante Júlia. Sandra elogia a "liberdade". "Trabalhamos muitas horas, mas ao fim do mês compensa. Não é monótono, estamos sempre em cidades diferentes e as pessoas nunca são as mesmas", explica a gaiense. Até chegar aqui, porém, "bateu a muitas portas" e ouviu de tudo. "Quando procurava emprego nesta área perguntavam-me se a vaga não era para empregada de limpeza. Riam-se. Rasgaram um currículo à minha frente".
O difícil foi só mesmo entrar. Começou a transportar crianças num minibus, fez percursos dentro de Gaia, e rapidamente passou às viagens de longo curso no estrangeiro e em Portugal. "Na primeira vez num veículo pesado fui logo para Espanha, num autocarro de três eixos e dois pisos. Fui atirada aos lobos. Os homens entravam e diziam: hoje é uma mulher? No final bateram palmas e tive a melhor gorjeta da minha vida", recorda. Mais de uma década depois esperava já não ter de lidar com comentários machistas, mas, por outro lado, sente a sociedade mais informada.
"Para um passageiro agressivo há outros cinco ou seis a defenderem-nos". Além da FlixBus, conduz, juntamente com Júlia, os autocarros da Auto Viação Feirense, onde trabalham oito mulheres.