Promotora não terá provado propriedade de parcela que cedeu à Câmara. Processo decorre em tribunal.
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Numa ação que se estende por 222 páginas, o Ministério Público (MP) pede a anulação dos atos administrativos praticados pela Câmara de Gondomar que conduziram à aprovação da construção de um hotel em Ribeira de Abade, Valbom, Gondomar. Em causa, entre outras irregularidades apontadas, estão a permuta de terrenos entre o Município e a promotora Nara - Projetos, Construção e Turismo, e as autorizações da Autarquia à edificação de um hotel cujo projeto "sempre teve, e teria se fosse construído, sete pisos acima da cota soleira" e quatro abaixo (mais do que o previsto). O MP pede ainda ao tribunal que requisite uma perícia ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil sobre a construção prevista e infraestruturas.
O alvará, assinado pelo vice-presidente da Câmara a 21 de outubro de 2019, titulava uma licença para obras de construção de um prédio com seis pisos acima e três abaixo da cota soleira. "A licença e o alvará têm uma desconformidade entre a verdade que declaram e a realidade que viabilizam", observa o MP. "O Município proferiu ato de aprovação da arquitetura e de licenciamento sem ter em sua posse o projeto de arquitetura", tendo licenciado "um edifício à margem de suporte documental elementar, na incerteza quanto aos parâmetros essenciais do edifício".
Além disso, entende o MP, passaram-se "mais de quatro anos" sem que fossem apresentados pela Nara "elementos em falta e sem que o Município daí retirasse a consequência legalmente prevista": a declaração de caducidade. Soma-se o facto de o projeto implantar-se "em solo cuja integral pertença ao requerente o Município desconhece".
Entendimento
Em 2001, o programa Polis não previa para o local "edificação nova para uso turístico ou outro". Os terrenos para onde estava agora previsto um hotel (cuja obra está embargada) eram propriedade privada. No processo de falência da fábrica que ali funcionou, a Nara "adquiriu em venda judicial", em junho de 2006, duas parcelas de terreno.
Em outubro de 2008, numa reunião entre o Município, o Gabinete Polis, a Nara e os seus projetistas, refere o MP, acertaram-se os termos de execução de uma rotunda prevista no Polis. A Nara cederia ao Município, para execução do programa, uma das suas parcelas e parte de outra "no âmbito e após o licenciamento do projeto de construção de um hotel em terreno contíguo e em permuta com parte do caminho que, no local, liga a EN108 ao rio Douro, caminho esse cuja implantação seria alterada e a executar pela Câmara de Gondomar".
O Município, à data presidido por Valentim Loureiro, aprovou a permuta em junho de 2010, cedendo a Autarquia à Nara uma parcela de 297,6 metros quadrados. O MP diz que "a Nara não fez demonstração da propriedade privada" da parcela e que parte do terreno cedido à Autarquia "está também compreendido na faixa de 30 metros medidos do leito do rio Douro".
Na contestação apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, a empresa assegura a propriedade da parcela e diz que o projeto "foi ajustado". Decorre ainda o prazo para a Câmara responder.