"Dezenas" de migrantes vivem em beliches em quartos sobrelotados nesta zona de Lisboa. Junta de Freguesia defende mais fiscalização.
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O rés do chão que ardeu no sábado, na Mouraria, em Lisboa, onde moravam pelo menos 16 imigrantes, voltou a pôr a descoberto "as dezenas" de casos de sobrelotação em que vivem várias pessoas naquela zona da cidade. Na Rua do Benformoso, diz quem lá mora, "é porta sim porta não" e há quem pague 150 euros por mês um colchão num beliche. O presidente da Junta de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, diz ao JN que não recebeu muitas denúncias de alojamentos ilegais e que "esperava que fossem mais".
Malick, 30 anos, paga 150 euros por um beliche num quarto que partilha com mais três. O jovem paquistanês vive numa casa do primeiro andar de um prédio, a poucos metros da habitação que ardeu, e é um exemplo das dezenas de migrantes que moram em habitações sobrelotadas na Mouraria, em Lisboa. É funcionário num restaurante e não sabe ao certo com quantos partilha casa. "Há quem só venha cá dormir uma noite. Não conheço todos. Só sei que são da Índia, Bangladesh e Arábia Saudita e a rotatividade é grande", diz, acrescentando que existem quatro quartos, cada um com dois a três beliches.
"Tráfico humano"
Na Rua do Terreirinho, onde o rés do chão de um prédio de três andares ardeu no sábado, tirando a vida a pai e filho, de 50 e 14 anos, as condições habitacionais eram igualmente "indignas". "Viviam num armazém que foi transformado em habitação, com beliches triplos. Na cozinha, nem existia chaminé nem saída de fumos. É uma situação de autêntico tráfico humano", diz Paulo Augusto, dono de uma loja de molduras.
Paulo Sousa, morador, conta que tentou reportar a situação para uma linha telefónica da Junta de Santa Maria Maior, criada para denúncias de alojamentos locais ilegais, mas que esta "não funciona". "A Junta diz que atua, mas não faz nada. São redes que subarrendam e que lucram muito com isto. Já vi um anúncio que pedia 300 euros por colchão! Há dezenas de situações destas aqui."
O presidente da Junta de Santa Maria Maior diz que se limita a enviar as denúncias para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e para a Câmara de Lisboa e apelou a "mais fiscalização". "Sou presidente de Junta há nove anos e foi o primeiro incêndio que aconteceu numa habitação deste género com esta consequência. Potencialmente, o perigo será maior do que aquilo que depois acontece", desvalorizou ainda.
A ASAE afirmou ao JN que tem fiscalizado e que quanto ao incêndio de sábado "sugere-se contacto com as entidades oficiais que se encontram a acompanhar a ocorrência: Câmara e Polícia Judiciária".
ELETRICIDADE E GÁS
Prédio sem condições de habitabilidade
O prédio na Mouraria, em Lisboa, onde ocorreu o incêndio no sábado à noite que vitimou um adolescente e um homem imigrante, "estruturalmente não foi afetado", mas encontra-se sem eletricidade e sem gás, pelo que "não reúne condições de habitabilidade", disse ontem a Proteção Civil.
"Neste momento, não reúne condições de habitabilidade, porque não dispõe de infraestruturas de energia elétrica, nem de gás", afirmou Carlos Lopes Loureiro, do Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa, em declarações aos jornalistas, junto a este prédio na Mouraria, após concluídos os trabalhos de vistoria.