Adolescente e homem indianos morreram em incêndio na Mouraria. Imigrantes dormiam em beliches. Sobreviventes só escaparam após portas serem arrombadas.
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O rés-do-chão que ardeu, no sábado à noite, na Mouraria, no centro histórico de Lisboa, albergava pelo menos 16 pessoas, de nacionalidade indiana, apurou o JN no local.
Os imigrantes residiam há cerca de três meses no espaço, ocupado na quase totalidade por beliches, sem janelas e com duas portas para a rua, aparentemente sem fechadura. Dois dos seus ocupantes, incluindo um rapaz de 14 anos, morreram. Os restantes só conseguiram escapar após populares, na sua maioria bengalis, e elementos dos bombeiros terem arrombado as portas.
Ao JN, o comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa, Tiago Lopes, precisou que o balanço é de dois mortos - o adolescente e um homem com "perto de 50 anos" - e 14 feridos, a maioria por inalação de fumos. Já tiveram todos alta hospitalar.
No total, há 22 desalojados, dos quais 13 foram encaminhados para alojamentos de emergência da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, adiantou, à Lusa, a diretora do Serviço Municipal de Proteção Civil, Margarida Castro. Os restantes arranjaram uma alternativa por meios próprios. No prédio de três andares, na rua do Terreirinho, residiam, segundo apuraram para já as autoridades, 24 pessoas.
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, falou com o autarca de Lisboa, Carlos Moedas, tendo lamentado "a perda de vidas humanas" no fogo. A Câmara Municipal de Lisboa vai avaliar na segunda-feira a habitabilidade do prédio. A Polícia Judiciária (PJ) investiga.
"Assim é mais barato"
Rhamat Ullah, um dos populares que no sábado à noite ajudou a resgatar os cidadãos indianos, percebe bem o porquê de tantas pessoas residirem num espaço sobrelotado. "Portugal é um bom lugar, mas o alojamento é muito caro. Assim é mais barato", explica, ao JN, enquanto assiste ao entaipamento do 55 da rua do Terreirinho, uma artéria íngreme marcada por portas numeradas sucessivas.
O prédio pertenceu a uma imobiliária cujo processo de insolvência ficou, segundo um edital afixado no local, concluído em agosto passado. A identidade dos atuais proprietários não é pública. Presentemente, funciona no primeiro piso - tal como no número 53 - um alojamento local. Estarão ambos identificados por uma só placa com as habituais iniciais "AL".
No rés-do-chão e no segundo e terceiro andares do edifício, o regime é de arrendamento, nem todo recorrendo à sobrelotação.
"Entrei em pânico"
Mariam Marea, de 34 anos, o marido e o filho, de quatro, por exemplo, residem há poucos dias num apartamento no último andar do prédio. No sábado à noite, tinha a visita de uma amiga e das suas duas filhas quando se apercebeu de um cheiro intenso a queimado.
A princípio, ainda pensou que era algo na sua cozinha que estava a arder. Mas, mal abriu a porta de casa, percebeu pelo "fumo negro" no patamar que o fogo era, afinal, noutro piso. Em "pânico", fechou-se em casa e só saiu quando os bombeiros a tiraram, com a amiga e as três crianças, da habitação.
"Fui para o hospital e viram a quantidade de monóxido de carbono que tinha no sangue. A minha amiga ficou pior: esteve cinco horas com oxigénio", contava este domingo à tarde ao JN, já recuperada, a cidadã bengali, enquanto aguardava com o marido, Samuil Mazed, e o filho, Owais Joseph, por transporte para o alojamento de emergência. Consigo levaram apenas sacos com roupa e outros bens essenciais.
"Por favor, escreva que agradecemos, de todo o nosso coração, aos bombeiros pelo que fizeram e por terem sido tão cooperantes. Eu entrei em pânico", acrescentou Mariam Marea, quando o filho já só pensa em voltar a brincar.
No total, estiveram no local 50 operacionais. O fogo foi extinto em cerca de 15 minutos.