Beppy e Kihan espreitam timidamente pela porta de um rés do chão, na Rua do Terreirinho, de onde saem e entram vários jovens durante a manhã. São todos de Sylhet, no Bangladesh, e moram na Mouraria.
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Vivem em condições semelhantes às dos vizinhos que ajudaram a escapar da casa em chamas, há uma semana, na mesma rua. "Salvamos três pessoas. O homem que faleceu gritava para o salvarmos, mas já era um grande risco entrarmos e, infelizmente, não conseguimos", lamenta Kihan, 22 anos.
Sabem que estão sujeitos aos mesmos riscos ao partilharem pequenos quartos com duas a quatro pessoas, mas não estão preocupados. "Eles estavam mais apertados e o fogão estava junto aos beliches. Nós estamos mais seguros", explica Kihan, que chegou há um ano e meio a Lisboa. São oito pessoas a viverem num pequeno rés do chão e pagam cem euros por um colchão num beliche. Há três anos na capital, Beppy, 30 anos, explica que estão habituados a viver assim. "Vivemos muito em comunidade, é normal partilhar quarto no Bangladesh. Por outro lado, é muito difícil pagar rendas de casas aqui."
"Não há outro país assim"
Os dois amigos, a trabalharem na área da restauração, sentem-se integrados e não se veem a viver noutro lugar. "As pessoas são muito amigáveis, os polícias são muito sensíveis e atenciosos e é fácil obter documentos. Não conheço mais nenhum país assim", diz Kihan. Elogio partilhado por vários imigrantes da mesma nacionalidade, como Hassan Miah, 22 anos, que trabalha numa mercearia em Arroios. "Portugal é o melhor país do Mundo para emigrar", diz o jovem que também vive com mais quatro homens no mesmo quarto. "Pago 160 euros pelo colchão, fica mais barato assim pois se fosse sozinho seria 600."
Todos os meses, manda 300 euros para a família no Bangladesh, que espera trazer para Portugal quando regularizar os documentos, mas não prevê melhorar as condições habitacionais. "Vamos viver num quarto provavelmente, pois as casas são muito caras e eu ganho 765 euros por mês", explica.
A dificuldade em arrendar uma casa, devido aos elevados preços, leva a que muitos imigrantes transformem lojas em habitações. Na Rua do Forno do Tijolo, há pelo menos três espaços comerciais onde moram pessoas, garante um comerciante imigrante ali há várias décadas.
"Aqui na zona, há muitas pessoas a dormir nas lojas. Os proprietários alugam como lojas, mas depois os inquilinos adaptam-nas e colocam lá beliches ou fazem obras clandestinas para meter mais pessoas. Também há casos de famílias a viverem nas traseiras da loja, que muitas vezes está fechada durante o dia. Abrem loja só para inglês ver", conta o lojista, que prefere não ser identificado.
Os casos de sobrelotação habitacional, diz ainda, "não param de crescer". "Ao lado de minha casa, meteram 20 pessoas num andar", conclui.
Preferem assim do que morar na rua
Inês Andrade, Fundadora da associação Renovar a Mouraria
O número de imigrantes aumentou na Mouraria?
A nossa perceção é que têm chegado mais migrantes, sobretudo timorenses de forma mais significativa.
E os casos de sobrelotação habitacional estão a crescer?
Sim, temos notado um aumento. Costumavam ser situações transitórias, de pessoas conhecidas que chegavam e ficavam em casa de alguém que já estava cá. Era um mês, até conseguirem encontrar uma casa. Tendo em conta a dificuldade de se conseguir casa, essa situação agravou-se.
Quantas pessoas vivem assim?
Sabemos que são muitos. Há muita flutuação e há muito medo das pessoas identificarem o problema, porque têm receio de haver consequências e mandarem-nos embora. Apesar de estarem em situações terríficas, preferem estar assim do que morar na rua.
Até que ponto é que este fenómeno vos preocupa?
A situação acumula com todas as outras vulnerabilidades a que eles estão sujeitos, como contratos de trabalho irregulares e receberem mal. Estas condições impedem o arrendar de uma casa no mercado normal. Os próprios senhorios dizem que só alugam a portugueses ou europeus ou pedem cauções exorbitantes. Os imigrantes estão sistematicamente a receber recusas. Há uma grande desconfiança.