As novas designações que a Câmara do Porto atribuiu às ruas do Bairro Rainha D. Leonor, por proposta da Comissão Municipal de Toponímia, estão a causar confusão às pessoas, que preferem os números. José Saramago, Manuel António Pina, Agustina Bessa Luís e Florbela Espanca estão entre as figuras homenageadas
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A atribuição de nomes de escritores e poetas às ruas do Bairro Rainha D. Leonor, no Porto, está a causar confusão e algumas dificuldades a quem lá vive. A afixação das novas placas foi concluída há semanas e, apesar de em todos os casos se manter a anterior designação - numérica -, para que as pessoas se habituem gradualmente à mudança, a Câmara ainda tem de comunicar as alterações a uma série de entidades para que o reconhecimento seja geral.
Alterar a morada no banco, renovar o cartão de cidadão ou chamar um táxi. Para ações como estas, os moradores ainda não podem usar a nova designação da sua rua, porque oficialmente não consta em determinados serviços. A própria Domus Social, empresa responsável pela gestão da habitação municipal, está a enviar as faturas da renda aos inquilinos com o endereço antigo. E, dizem os moradores que o JN ouviu, até os carteiros sentiram dificuldades de início.
Há pessoas que não querem saber o novo nome. Ou pelo hábito do número que sempre conheceram, ou porque a personalidade em causa não lhes diz nada. Há oito anos no bairro, Ofélia Ferreira não abdica do passado: "A gente diz sempre a Rua 4. E na correspondência continua tudo igual". Desconhece que, mesmo ao lado de casa, a placa exibe o topónimo António Rebordão Navarro.
Na mesma artéria, Zulmiro Barbosa graceja com o nome do escritor: "Se calhar não é do meu tempo". Este morador renovou a carta de condução em janeiro e não conseguiu que o sistema informático do serviço a que se dirigiu assumisse a nova designação. Por isso, a morada não foi alterada e receia que suceda o mesmo quanto renovar outros documentos.
Também há quem não se tenha apercebido da mudança. Mas não é o caso de Arménio Pinto. "Aqui é a rua de um bom escritor, José Saramago", diz. Arnaldo, o pai, reage com indiferença ao nome do Nobel da Literatura, mas reconhece que foi bom ter-se mantido a designação antiga.
Elisabete Magalhães vive na Albano Martins e já tem ralhado com a filha por ela insistir em chamar-lhe Rua 10. Ao seu lado, uma amiga mostra que o número 12 continua enraizado. Quando Elisabete lhe pergunta o novo nome da rua onde mora, a resposta sai pronta: "Eu é que sei?". Agustina Bessa Luís é a resposta.
Fonte da Câmara referiu ao JN que a opção de manter a designação antiga visa, precisamente, "evitar equívocos" e permitir que os novos nomes sejam reconhecidos "paulatinamente". Acrescentou que, agora que o processo de substituição está concluído, "a Domus Social vai proceder à atualização das moradas nos respetivos recibos de renda".
A Autarquia tem agora de comunicar as alterações a serviços como Registo Predial, repartições de Finanças, Bombeiros, CTT ou PSP. Até lá, serão emitidas "certidões gratuitas a todos o moradores que as solicitem com a indicação do novo topónimo, para serem apresentadas a diferentes entidades, tendo como finalidade, por exemplo, a renovação do cartão de cidadão".
Visando prestar homenagem a personalidades que se destacaram na área da cultura, a Comissão Municipal de Toponímia aprovou a medida em fevereiro de 2020. Meses depois, alterou três nomes, por já constarem em artérias da cidade: José Régio, Aquilino Ribeiro e Jorge de Sena, que chegou a figurar na antiga Rua 13 até se perceber o erro.
O deputado municipal Rui Sá, então membro da comissão, votou contra a substituição dos números por nomes. Não por estar contra a medida em si nem contra as figuras homenageadas, mas porque indagou os moradores e percebeu que a alteração "lhes fazia confusão", disse ao JN.
Da 1 à 15, as ruas têm agora as seguintes designações: Eugénio de Andrade, Miguel Veiga , Vasco Graça Moura, António Rebordão Navarro, Papiniano Carlos, Florbela Espanca, Luís Veiga, José Saramago, Luísa Dacosta, Albano Martins, José Mário Branco, Agustina Bessa Luís, Júlio Couto, António Manuel Couto Viana e Manuel António Pina.