Lojas transformadas em habitações e casas sobrelotadas com imigrantes a viverem "em condições desumanas" preocupam, cada vez mais, os presidentes das juntas de Santa Maria Maior e Arroios, as duas freguesias mais cosmopolitas de Lisboa.
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Só Arroios tem cerca de 20 mil imigrantes ilegais e registou "um aumento exponencial" de residentes estrangeiros. Os autarcas apelam à fiscalização para que se evitem situações como a que aconteceu, há uma semana, na Mouraria, quando dois homens morreram na sequência de um incêndio no rés do chão onde viviam com mais 11 pessoas.
A presidente da Junta de Arroios, Madalena Natividade, diz que 20 mil imigrantes estão em situação irregular nesta freguesia. "Vêm à procura de trabalho e, depois, como não arranjam, acabam por ficar e isto torna-se uma bola de neve", diz a autarca, que acredita que os casos de pessoas a viverem em casas sobrelotadas vão crescer. "É uma situação que já vem de há muitos anos, mas o número tem aumentado e vai aumentar mais porque o valor das rendas é muito elevado", acredita.
Inês Andrade, da associação Renovar a Mouraria, confirma que o fenómeno "agravou-se dramaticamente por causa da dificuldade de se encontrar casa". "Muitos gestores de Airbnb passaram a fazer estes arrendamentos sobrelotados, que têm obviamente mais lucro. Há situações de seis pessoas no mesmo quarto a pagarem 200 euros cada uma", exemplifica.
O Alto Comissariado para as Migrações diz, contudo, que "a taxa de sobrelotação dos estrangeiros residentes em Portugal tem vindo a reduzir-se progressivamente desde 2016, ano em que se situou nos 32%". "Em 2021, situava-se nos 20%, por comparação aos 9%, nos cidadãos nacionais", refere.
"Problema de insalubridade"
Madalena Natividade já pediu audiência ao ministro da Administração Interna para falar sobre a falta de segurança e fiscalização das casas sobrelotadas e apela a mais fiscalização. "O problema do crescimento de situações de espaços sobrelotados é não haver fiscalização. Infelizmente, as pessoas sujeitam-se a viver naquelas condições sub-humanas que ninguém merece. Não vou compactuar com isso e vou tentar ajudar estas pessoas até porque se torna num problema de insegurança e insalubridade para a freguesia."
As casas sobrelotadas concentram-se sobretudo na Mouraria e Arroios, onde vive a maioria das comunidades migrantes da capital, mas é um fenómeno que está "a alastrar-se por toda a cidade", garante Inês Andrade. Madalena Natividade alerta ainda para a chegada de mais imigrantes. "Desde o final do verão, temos assistido a um aumento exponencial de imigrantes, do Nepal, Bangladesh, grupos timorenses e alguns argelinos."
O presidente da Junta de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, diz que tem a perceção de que "há uma rotação grande de imigrantes".
Plataforma giratória
"Há muitos que vêm para aqui e depois partem para outros pontos da Europa e chegam outros para os substituir. Somos uma plataforma giratória, assim como entram muitos, saem muitos", explica. O autarca está preocupado com a exploração destas pessoas e as "máquinas ilícitas organizadas".
"Estes cidadãos são mais frágeis às redes de tráfico de pessoas e de exploração intensiva para ganhos de dinheiro de forma ilícita ou eticamente indesculpável. O caminho a percorrer é desmontar esse tipo de negócios", defende, acrescentando que "a morosidade na obtenção de documentação" facilita estas situações.
Pormenores
Migrantes jovens - Segundo dados do Observatório das Migrações, 61% dos cidadãos estrangeiros, em 2021, tinham entre os 20 e 49 anos, por comparação aos 36% na mesma faixa na população nacional.
Mais de cem mil - Em 2021, residiam 108 894 cidadãos estrangeiros com título de residência válida no município de Lisboa. A nacionalidade mais representativa era a brasileira (18% dos estrangeiros residentes no concelho), seguida da francesa, (8%), italiana (8%), nepalesa (8%) e chinesa (6%).
Sobrelotação - Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a população que vive em casas sobrelotadas, em Portugal, aumentou de 10,1% em 2012 para 10,6% em 2021.
Há 800 sem-abrigo - O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) atendeu em 2022 cerca de 800 situações de estrangeiros a viver em situação de sem-abrigo em Lisboa. Nos últimos meses, destacam-se os casos dos timorenses.
757 mil em 2022 - Ao todo, 757 252 mil estrangeiros residiam em Portugal, no final de 2022. As nacionalidades mais representativas são a brasileira (233 138 mil), Reino Unido (36 639 mil), Cabo Verde (35 744 ml) e Índia (34 232).
80 nacionalidades contam-se entre os habitantes de Arroios. É a freguesia mais multicultural do país e a que tem maior concentração de moradores por metro quadrado.
5% dos imigrantes geram emprego em Lisboa, segundo um inquérito da "Renovar a Mouraria". E só 12% estão inscritos numa entidade educativa.