Cortar em tudo o que não é essencial, nas saídas, nas refeições mais caras, até na Internet. Esticar poupanças mínimas, ter de pedir ajuda a familiares e amigos, bater à porta da Cruz Vermelha. Viver com o coração em sobressalto, muitas vezes em silêncio, com medo de represálias. A agonia dos dias sem receber.
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Maria José Tiny, nascida em São Tomé mas residente em Portugal desde os oito anos (hoje tem 36), está habituada à incerteza que vem com o trabalho que escolheu. É pintora da construção civil, foi buscar o bichinho à mãe, também ela tem a mesma profissão. Os dias cosem-se com linhas frágeis, de andaime para andaime, de contrato temporário em contrato temporário, uns meses numa obra, a pintar um prédio, uma vivenda, uma escola, depois começa tudo outra vez, nova obra, novo patrão, novo contrato, e assim sucessivamente. Por entre a indefinição e as oscilações lá se vai safando, as recomendações passam de boca em boca, anda nisto há uns sete anos e tem tido quase sempre trabalho. Passou uns tempos em obras no litoral alentejano, depois “ficou fraco” e foi trabalhar para a zona de Azeitão, mais tarde para a Margem Sul e Lisboa. E se há uns anos já teve um ou outro sobressalto por culpa de atrasos no pagamento do salário - “pagavam-me à semana ou à quinzena, mas pelo menos nunca houve enganos nem tentativas de fuga” -, de há uns tempos para cá tem acrescentado à insegurança da profissão a angústia de esperar eternamente pelo salário que não cai.
Anda há meses enredada nesta trama, garante que desde que começou a trabalhar para uma empresa de pinturas gerais e alta decoração sediada em Cascais o dinheiro nunca caiu certo, “num mês vinha a faltar uma parte, no mês seguinte ainda mais”, até ao dia em que começou a faltar tudo. Maria José não contém a indignação. “O patrão põe-nos a trabalhar uma semana, depois manda-nos para casa mais duas, e não nos paga o tempo em que estamos em casa. Noutras vezes marca um ponto de encontro connosco para irmos para uma obra nova e não aparece. Se ligamos ou mandamos mensagem nem sequer nos responde.” E nisto os salários em atraso foram-se acumulando, dos quatro vencimentos que Maria José tinha a receber entre dezembro e março jura que não viu um cêntimo, até ao ponto em que a situação se tornou insustentável e pediu ajuda ao sindicato para rescindir contrato e, pelo menos, poder receber o subsídio de desemprego. Anda até a equacionar a possibilidade de avançar com um processo em tribunal .