Um ambiente refinado, entre clube de golfe e uma tenda vip, no Congresso do PSD
Na rua das Portas de Santo Antão, o Teatro Politeama anuncia "uma grande revista à portuguesa" e uma outra peça encenada por Filipe La Féria: o Robin dos Bosques, herói mítico que, de arco e flecha, rouba aos ricos para dar aos pobres. No outro lado do passeio, mesmo em frente, o Coliseu dos Recreios hospeda, este fim semana, aqueles que muitos encaram como uma espécie de Robin dos Bosques ao contrário - rapinam os desfavorecidos para acautelar os abastados.
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"Olhe, não digam muito mal do Pedro Passos Coelho, senão já sabem", notificou-nos uma militante do PSD enquanto sacolejava a mão em sinal de tau-tau.
O congresso do PSD abriu, oficialmente, às 21.30 horas de sexta-feira. A reunião magna laranja junta a "estrutura do partido" e mais de 950 delegados oriundos de Portugal inteiro, ilhas e comunidades portuguesas. Até há um que voou 11 mil e tal quilómetros desde Macau.
Ao início da noite de sexta-feira, o átrio de entrada da sala lisboeta vivia a azáfama da recepção aos militantes. Nas paredes, desapareceram os cartazes dos concertos. Deram lugar a uma série de posters com frases de glória e éden: "Mercado de trabalho recupera!", "Confiança dos consumidores renovou máximos!", "Exportações continuam a subir!". Tudo cheio de pontos de exclamação para sublinhar o regozijo laudatório e fermentado com parágrafos de economês.
À porta, um segurança ouvia pacientemente um transeunte que detectou abundância de laranja e decidiu apregoar o seu entendimento: "Mas é o Paulo Portas quem manda, car...!".
Pela hora de jantar, os sociais-democratas espalharam-se pelos restaurantes da rua das Portas de Santo Antão. É certo que uns optaram pelo panado no pão na esplanada da "Ginjinha Popular". Mas outros, e desse mesmo partido que prega a contenção, passaram pela porta do Gambrinus, um restaurante cuja vitrine propõe uma sopa de legumes a 6 euros, um bacalhau à Chico Lage a 28 euros ou 30 gramas de caviar do Irão a 220 euros.
À porta do Coliseu, o ajuntamento de militantes amplificava-se à medida que o tempo passava. Alguns juntavam-se em bandos, elas todas aperaltadas, eles com as mãos nos bolsos das calças bege e de blazer azul marinho. Uns recordavam tachos de antanho: "Olha, aquela ali era a presidente do conselho fiscal da associação de estudantes", murmurava um. Também não faltava quem circulasse sozinho, à procura de uma mão para apertar.
O ambiente era vagamente refinado, algures entre o clube de golfe e a tenda vip do Rock in Rio num dia de concerto do Sting. As televisões esperavam a aparição dos "notáveis" e do querido líder. Um indigente de olhar perdido atravessava a multidão. Às costas, trazia sacos velhos e gastos do Pingo Doce.