O CDS arrancou à frente: dois dias antes da votação do orçamento rectificativo, anunciou que irá abster-se. Mas isso não chega para que o Governo consiga aprovar a alteração orçamental. Estará aberta a janela para a queda de José Sócrates?
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A posição antecipada do partido de Paulo Portas em relação ao diploma que será votado amanhã no Parlamento - o aumento de 4,9 mil milhões de euros do endividamento do Estado para 15 012 milhões - parece inofensiva, mas é um aviso que se presta a várias leituras. Em primeiro lugar "coloca sob forte pressão os outros partidos, sobretudo o PSD", afirma ao JN José Miguel Júdice. "O PP não só não quer deitar abaixo o Governo - até porque poderá querer coligar-se com ele no futuro (e esta será a segunda leitura) - como quer entalar o PSD".
O ex-dirigente do partido social-democrata, apesar de afastado da vida activa do partido, não se inibe de considerar que "o PSD vai ter de se abster". Caso contrário, abriria uma crise para a qual o país não está preparado. "Se o orçamento rectificativo fosse chumbado, o que pragmática e realisticamente não faz sentido, o primeiro-ministro alegaria não ter condições de governabilidade, demitir-se-ia e convocaria eleições, o que seria trágico neste período de crise que o país atravessa". Alguém arrisca pagar esse preço?
Oficialmente, o PSD ainda não se posicionou, embora Manuela Ferreira Leite já tenha dito "estar refém" de um "facto consumado", que é a política económica governamental. O Partido Comunista anuncia hoje, às 12.45 horas, em conferência de imprensa, a sua posição. O Bloco de Esquerda só irá "decidir no próprio dia", mas Luís Fazenda antecipou ao JN que "o voto deverá ser contra".
Até amanhã está, portanto, tudo em aberto. Mas sobre a Oposição pende "o peso da responsabilidade por uma turbulência institucional que o povo português não quer", garante o socialista Vitor Ramalho. "A Oposição sabe que se o orçamento rectificativo não for aprovado, não é o PS que fica com um problema para resolver - é o país", esclarece, descartando a possibilidade de ser este o pretexto de que os partidos precisam para fazer escorregar o Executivo de José Sócrates. "Pelo menos, neste momento", ressalva.
De resto, acrescenta, "não há utilidade em convocar eleições antecipadas numa altura em que o país não consegue olhar para o PSD - que funciona numa lógica fulanizada e anda à procura de si próprio - como alternativa política". Ramalho não o diz com satisfação: "Termos um Governo a salvo apenas por falta de comparência do principal partido da Oposição não é bom; é mau. Para o PS, para o país e para a democracia".
Será esse PSD, diz Luís Fazenda sem querer nomear o nome do partido, que deverá permitir ao PS aprovar o diploma. "Percebe-se que o Governo já encontrou quem lhe viabilize o orçamento", afirmou ontem, já ao final da tarde, o deputado bloquista ao JN.
Assumindo que está afastada a hipótese de ser amanhã que a Oposição se unirá, na prática, contra o Governo, qual será a moeda de troca para continuar? O deputado social-democrata Mota Amaral reconhece que "não pode deitar-se abaixo um Governo sem mais nem menos", mas deixa um aviso: "O Parlamento não é um verbo de encher disposto a lançar a passadeira vermelha ao Governo de cada vez que ele quiser aprovar um diploma. Se é da importância da estabilidade que estamos a falar, convém lembrar que cabe ao Governo mostrar que está disposto a negociar, a ceder, a argumentar. O tempo do 'quero, posso e mando' já acabou".
O que está em causa, sublinha Nogueira de Brito, ex-dirigente do CDS, legendando o voto do seu partido, "está longe de ser a aprovação das medidas do Governo. É um voto prático, patriótico e realista. A única função é evitar uma crise maior no país". Por isso mesmo, acrescentou, "até pode evoluir para um voto positivo".