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Tal é o meu entusiasmo, e alívio, que corro o risco de sair à rua para tentar convencer perfeitos desconhecidos, e a mim mesmo, disto: acabei o meu novo romance. Como só faço figuras ridículas em público, digo-o aqui: acabei o meu novo romance.
Se vos contasse ao pormenor como comecei a coisa e como a coisa acabou, aqui estaríamos no decorrer de várias crónicas, umas emocionantes, outras enfadonhas e ainda outras perfeitamente corriqueiras – e talvez algumas com interesse para quem gosta de literatura.
O livro nasce de uma imagem que me ocorreu há muitos anos em Janarde, a aldeia que se chama Tojal no meu primeiro livro: sem dizer a ninguém do que se trata, um avô escreve um manuscrito; depois, cava um buraco no jardim das traseiras, atira-lhe o manuscrito, rega-o com gasolina e põe-lhe fogo. Uma semana depois, morre.
Acontece que este homem era o maior escritor português contemporâneo e, embora nada tenha escrito sobre a Guerra Colonial, sempre falou em público do trauma. O manuscrito queimado poderia ter sido relevante para os leitores, finalmente o livro da guerra, mas é sobretudo relevante para a família, durante décadas subjugada a um homem difícil, misantropo, turbulento. Narrado pelo neto, mais do que um romance sobre a guerra, espero que o livro seja sobre três gerações marcadas pela memória dela.
E agora chegou ao fim. A vida interior que um livro dá é como uma chama que ilumina por dentro. Se abordasse pessoas na rua, a dar provas da minha maluquice, além de lhes dizer que a coisa está feita, acrescentaria que deixa saudades, apesar do rapto a que o livro me submeteu nos últimos tempos. É que agora apagou-se a vela e essa faceta importante da minha vida intelectual há-de ficar dormente, um pouco às escuras, até começar o próximo. Estas crónicas ajudam mas não fazem livros.
Seja como for, ainda é cedo para me preocupar com a escuridão. Se até as galinhas cacarejam quando põem um ovo (ia escrevendo “quando põem um avô”...), porque não posso eu contentar-me com o desenlace? Sei ser frágil o que fazem os escritores, e quantas vezes não penso, perfeitamente irritado comigo mesmo, que acreditar no que escrevi é pura ilusão. Mas por enquanto permitam-me uns dias de contentamento e ilusão, esperançoso de ter feito algo de bom. Chama-se “O último avô” e chega às livrarias em Setembro.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia