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Se tentamos reger a vida por valores humanistas, dificilmente temos pachorra para moralismos de pacotilha. Assim é quando, não obstante a vida pública, em particular a vida parlamentar, dever ser pautada por comportamentos dignos e por urbanidade no relacionamento entre adversários, o combate político fica circunscrito a mostrar imagens, nalguns casos comprovadamente falseadas, de outros políticos fazendo, de forma mais ou menos disfarçada, gestos obscenos.
Não sei de que pia de água benta emergiram os moralistas que rasgam as vestes ao partilhar tais coisas. Se penso no mundo das minhas relações pessoais, posso estendê-las do pobre ao milionário, do impenitente ateu ao eclesiástico de alta condição, do iletrado ao erudito, da gente do povo às pessoas de finos pergaminhos, do ultraconservador ao ultraprogressista. E ainda não conheci pessoa, de todas as condições enumeradas e mais algumas, que não faça, eventualmente, uso do vernáculo na sua plenitude ou seja incapaz de esticar o dedo médio. Até a padres já ouvi palavrões, não para insultar o próximo, mas para demonstrar impaciência com algo. E o certo é que isso não os define enquanto pessoas.
Já usar isso como argumento político define quem o faz como gente intelectualmente desonesta (recorde-se a manipulação de imagens), sem densidade ideológica e vazia de propostas. Gente que mede o seu sucesso pelo furor que causa nas redes sociais, semeando ódio e desprezando a mera ideia de querer um mundo melhor. É gente tomada pela insanidade, tal como quem pelejou – e está em vias de consegui-lo – para retirar dos programas de Educação para a Cidadania a educação sexual. Os mais retrógrados que o fazem pensarão que a sexualidade (designadamente a orientação sexual) é algo que se transmite às criancinhas, seja por contágio, seja por influência dos pérfidos professores e das más companhias em geral. Tudo isso é despido de sustentação científica. Mais: é negado pela ciência. A sensibilização das crianças para as diferentes realidades não serve para as doutrinar, apenas para as preparar para viver decentemente numa sociedade tolerante em que as pessoas se distinguem pelo bem que praticam e não pelo que fazem na cama.
O Papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, abriu as portas da Igreja, e dos corações dos cristãos, a “todos, todos, todos”. Ou seja, independentemente daquilo que são na sua intimidade. Mas também para isso os botas de elástico têm resposta. Como ouvi há dias a alguém, “o Papa Francisco era comunista e este novo é conservador”.