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É inqualificável que crianças sejam usadas como joguetes políticos, é insustentável que tal seja permitido na casa da democracia, pesa a todos que tal não seja suficiente para que tenhamos noção do que é um limite a ser ultrapassado. Porém, aconteceu nas redes sociais e no Parlamento – não que fosse a primeira vez – pela voz de quem de nada se envergonha e nem o seu próprio nome reconhece, obtendo prémio de reconhecimento e aceitação. Costuma dizer-se que há gente que não se importa de vender a mãe para atingir os seus objectivos, mas estamos num outro patamar quando há um cão que conhece o dono e com ele se faz vítima. A transformar-se numa casa de horrores. A complacência parlamentar com o ódio e a discriminação mancharão para sempre o Parlamento, enlutando a democracia. Até que esta acabe, também por isso. Apontados pelo nome, a exposição dos filhos dos outros, até em idade pré-escolar, é tão vergonhosa como a reacção de quem nada faz, acarinhando e manipulando a moral em nome da liberdade de expressão. Um simulacro de decência no Parlamento. A seguir, o debate sobre a lei de estrangeiros, onde todas as audições parlamentares foram chumbadas, mesmo as obrigatórias, na pressa de ceder à agenda do populismo. Sem que se perca de vista a exclusão de três tipos de imigrantes às famigeradas restrições ao reagrupamento familiar: os profissionais altamente qualificados fora da União Europeia com cartão azul, os detentores de “vistos gold” e aqueles que têm autorização de residência como profissionais altamente qualificados. A mudança de paradigma desta limpeza ideológica está a bater à sua porta com novos preços a pagar. Será interessante ouvir os responsáveis do sector do comércio, hotelaria, construção, turismo ou agricultura sobre esta matéria, mas é certo que os “portugueses de bem” terão agora que disputar os melhores trajectos-uber-eats-ou-glovo. Portugal serve, dir-se-á.
Quando se sabe, por dados do INE, que das 41 393 pessoas que receberam passaporte português em 2023, 40% são israelitas, seguidos de 23% de brasileiros e, perto dos 4%, cabo-verdianos e ucranianos, cai por terra a “teoria da substituição”. Quando 60% desses estrangeiros naturalizados vivem fora de Portugal, percebe-se a dimensão do negócio. A vizinha Espanha acabou com os “vistos gold” após ter-se apercebido de que quase todos eles se direccionavam para investimentos imobiliários e nunca para a criação ou reprodução de riqueza na economia. Sabendo disto, Portugal resolve atacar a sua crise da habitação pela perseguição aos “okupas”, uma nova loucura demagógica e alucinada sobre a ocupação de imóveis, como se o desporto favorito dos pobres fosse ocupar casas devolutas para aí prosperarem em crime de família. É esta guinada que cede à pura demagogia e assim precipita o fim da política num templo de vendilhões.
O autor escreve segundo a antiga ortografia