Aldeia de Montaria. “A gente só se lembrava que viesse por aí a guerra da Ucrânia”
Brasília Silva, de 63 anos, vive com a mãe, Delmira de Jesus, de 88 anos, na aldeia serrana de Montaria, em Viana do Castelo, e confessa que, na segunda-feira, temeu o pior quando começou a perceber que a falta de electricidade não era uma falha qualquer.
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"A gente só se lembrava que viesse por aí a guerra da Ucrânia", confessou ao JN, sentada à mesa com a mãe, o filho, Tiago Silva, a nora, Andreia Barbosa, e o neto ainda bebé de colo, Martim. A família toma conta do restaurante "Montariense", situado no coração da aldeia e que estava fechado para folga semanal quando a rede elétrica foi abaixo.
"Primeiro a gente pensava que era só aqui a falha da luz, mas depois soubemos que era por todo o lado, na Europa e não sei que mais, e isso meteu um bocado de medo, não é? De resto mais nada, porque nós já vivemos sem luz e não morremos", comentou Brasília, recordando o tempo em que, na Montaria, "só havia duas casas que tinham rodas de água [para gerar energia]", bem como a chegada da eletricidade e "das aulas pela televisão" à aldeia.
Na segunda-feira, não chegou a sentir os efeitos do apagão, que ficou resolvido cerca das 20.30 horas. "Não nos deu tempo de acender a vela. Comemos ainda era de dia", afirmou, satisfeita.
Delmira, serena, sentada ao seu lado, comentou com ironia: "Ai quando veio a luz, você havia de ver na nossa casa. Parecia o jogo da bola, tudo a gritar, ai Jesus. Fizeram um griteiro por vir a luz." "Eu não gritei, sabe porquê? Estou habituada a tudo. Antigamente era um lume a arder, uma candeia, mas com cuidado para não gastar muito. Não senti nada. Tenho telemóvel, mas não ligo. São eles que me ligam", acrescentou.
Brasília riu-se e explicou: "A gente agora sente muito porque a Internet é que nos comanda e a mim se me faltar a televisão já não estou bem em casa."
"Já não conversávamos há muito tempo"
Tiago, que comanda o balcão do restaurante onde, esta terça-feira, a família almoçava, descreveu o bom e o menos bom do apagão.
"Fiz uma coisa que já não fazia há muito tempo: fomos dar uma caminhada de família, com os meus irmãos, as esposas, o meu cunhado, as filhas, todos. Demos uma volta pela freguesia, conversámos com os vizinhos. Já não conversávamos há muito tempo. Foi espetacular nesse aspeto", disse, admitindo que a preocupação com as arcas frigoríficas do restaurante o atormentou, bem como as causas da falta de eletricidade.
"Pensei que pudesse começar a chover alguma coisa. O início de uma guerra, sei lá. É estranho estarmos sem luz assim tantas horas seguidas. Se fosse só em Portugal, mas não, era Espanha, França, Itália...", comentou.
Para o autarca de Montaria, Carlos Pires, segunda-feira "foi um dia de preocupação". "Contactámos algumas pessoas que sabíamos que precisavam de cuidados de saúde, que dependiam de energia. Estivemos atentos situações de alguma necessidade dos nossos habitantes. Felizmente a energia veio com a luz do dia e a situação ficou regularizada. Se a eletricidade não tivesse vindo por volta das 20.30 horas, poderíamos ter alguns problemas. Temos aqui pessoas que vivem sozinhas e podiam usar meios de iluminação antigos, velas ou outros, e podia ser um perigo", contou.
A falta de energia obrigou o "Caçana", um dos cafés mais típicos da Montaria, a encerrar. Paulo Fernandes, o dono, de 46 anos, natural da terra, contou que tinha a casa com clientes, "turistas, gente de fora", quando a luz foi abaixo. "Pensei que fosse pouco tempo, uma falha de 15/20 minutos, e afinal apercebemo-nos pelas redes sociais que podiam ser três dias. Entrámos um bocadinho em pânico. Ainda trabalhamos cerca de meia hora, mas a cozinha sem exaustor podia aquecer muito e os frigoríficos sofrer com isso, e paramos", explicou, adiantando que, apesar de ter muitas marcações, teve de fechar por não ter arranjado geradores.
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