Delas

O que se está a passar com as promessas eleitorais da AD para as mulheres?

Luís Montenegro, primeiro-ministro FILIPE AMORIM/LUSA

Com a proposta de obrigar mães a fazerem prova inicial de amamentação, do fim de direitos como o luto gestacional para o acompanhante da grávida e com bebés a continuarem a nascer nas estradas, recordamos o que a AD queria para as famílias há pouco mais de dois meses, em tempo de campanha eleitoral, e das "chagas" que a preocupavam. Mexer na violência obstétrica e sexualidade fora da Cidadania não está anunciado nem entre as promessas, nem no programa de Governo

Cerca de dois meses depois de ter recebido luz verde ao programa eleitoral e vencido as eleições, o Governo da Aliança Democrática, sustentado pelo PSD e pelo CDS-PP, tem tratado as bandeiras da natalidade, das famílias - e consequentemente das mulheres - de forma, no mínimo, inesperada face ao que prometeu na campanha.

Num momento em que o anteprojeto da lei de reforma da legislação laboral causa forte polémica por conter propostas governamentais que passam por obrigar as recém-mães a fazerem ainda mais prova de que estão a amamentar ou por retirar o luto gestacional, entre eles o que protegia acompanhantes de grávidas que perderam os seus bebés, é tempo para recordar o que estava anunciado há dois meses, entre bandeiras e promessas.

A Aliança Democrática prometia, no seu programa eleitoral, "alargar e reforçar o regime da segurança e saúde no trabalho, o regime da igualdade e o regime da parentalidade e da conciliação trabalho/família". No documento, a coligação escreveu mesmo que queria "mudar a cultura de "penalização" de progenitores pelos empregadores" e prometeu "equacionar a criação de benefícios fiscais, no âmbito da revisão do respetivo regime, para empresas que criassem programas de apoio à parentalidade, como creches no local de trabalho para filhos de colaboradores, que contratassem grávidas, mães/pais com filhos até aos 3 anos, horários flexíveis e outros benefícios que facilitassem a vida familiar dos funcionários".

No âmbito da flexibilização laboral, a AD propôs, entre arruadas e bandeiras, "horários, teletrabalho, licenças parentais que permitissem que os pais ajustassem os horários para melhor conciliar as responsabilidades familiares e profissionais". "Maleabilidade", lê-se no documento, num "mercado de trabalho onde os contratos de trabalho permitam diferentes estilos de vida, prioridades, conciliação trabalho-lazer e contínuo investimento pessoal".

Já esta manhã de quarta-feira, 30 de julho, fica a saber-se, através do Negócios que o novo anteprojeto para alterações ao Código do Trabalho determina que o trabalho flexível, para pais com filhos com menos de 12 anos, terá em conta trabalho prestado "habitualmente" aos fins de semana ou feriados. Uma mudança que, recorde-se, colide com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça há três anos, de que o horário flexível "não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo" no caso dos pais com filhos menores de 12 anos.

O novo documento não traz mais dias para os pais no gozo da licença inicial (atualmente nos 28 dias), mas torna obrigatórios os 14 primeiros dias - e não apenas os sete obrigatórios e sete facultativos - após o nascimento.

Olhando para o programa de governo, onde a palavra grávida não entra, é anunciado que o executivo irá "promover a igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens no trabalho e emprego, designadamente através das seguintes medidas como revisitar o regime das licenças de parentalidade e demais medidas de apoio à parentalidade e à conciliação entre a vida profissional e familiar, de modo equilibrado entre mães e pais". Anuncia-se agora o sentido.

Ainda sobre a gravidez, continuam a nascer bebés fora das maternidades ainda que continue o prometida reorganização dos serviços de Ginecologia e Obstetrícia. Só neste ano, como revelou a SIC Notícias, 42 bebés já nasceram fora das maternidades, número que inclui partos realizados em casa, em ambulâncias e até em viaturas particulares.

Violência obstétrica, violação e cidadania sem sexualidade

O programa eleitoral e o do governo não faziam qualquer menção a eventuais mexidas na lei da violência obstétrica, que foi uma das primeiras leis a ser tocada, ainda mal o novo governo PSD/CDS tinha tomado posse. Os centristas apresentaram um diploma para revogar a lei aprovada três meses antes e que promovia os direitos no parto e, em especial, eliminava a referência à violência obstétrica. Já os sociais-democratas acompanharam a ideia mas por via da eventual necessidade de revisão do clausulado.

A iniciativa acabou por prosseguir no debate parlamentar, descendo à especialidade, mas no sentido de uma melhoria, não reversão. Nesse mesmo dia, 11 de julho, era aprovado o primeiro passo rumo à possibilidade de a violação passar a ser crime público, numa iniciativa lesgislativa do Bloco de Esquerda, Livre e PAN. Os diplomas foram aprovados com os votos a favor do PSD, CDS, Iniciativa Liberal, PAN, Chega, JPP, Bloco de Esquerda, Livre e ainda de alguns deputados do Partido Socialista. Os grupos parlamentares do PS e do PCP abstiveram-se. Olhando para as promessas da AD, ainda em maio, o abuso sexual era apenas referenciado no âmbito da criminalidade juvenil e tendo em vista uma "maior especialização das forças de segurança dedicadas ao programa no âmbito da delinquência e criminalidade juvenil e grupal".

Em dois meses, foi avançada a prometida reforma da disciplina de Cidadania, causando polémica e múltiplas reações de profissionais, associações, escolas e cidadãos face à exclusão da sexualidade dos guiões da matéria, com alertas para os perigos da remoção destes temas nas escolas. A consulta pública decorre até 1 de agosto.

E as "chagas" da família?

No programa eleitoral da coligação, a palavra "mulheres" aparecia quase um quinto de vezes menos face à palavra "família". PSD e CDS-PP anunciavam que queriam por termo às "quatro chagas" que atormentam a "célula base da sociedade".

Em matéria de família, no âmbito da qual o programa sustenta que a natalidade e o combate ao "inverno demográfico" se tornam imperativos, a coligação diz-se "irredutível na luta contra as quatro chagas concretas que têm impactado muito negativamente a vida concreta das famílias portuguesas". E enumera-as: "a violência doméstica, o aumento da toxicodependência, a multiplicação dos sem-abrigo e enorme dimensão da sinistralidade rodoviária". A AD pretende, lê-se no documento, "continuar a apostar na família como a célula-base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer".

Carla Bernardino