Quando o período se torna doença mental. Saiba o que é Transtorno Disfórico Pré-Menstrual
Não, não estamos a falar da tensão pré-menstrual, das indisposições que esta causa, das variações corporais e da irritabilidade. No dia da Higiene Menstrual, esta quarta-feira, 28 de maio, falamos-lhe de sintomas agravados sentidos na véspera de uma nova menstruação e que chegam com marcas mentais, algumas perigosas
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Uma tristeza profunda e crescente que começa a invadir o corpo, um humor altamente suscetível a pequenos detalhes inócuos do dia a dia que, de repente, são capazes de destruir anos de autoestima, uma sensação de inutilidade geral, insónia e uma aguda sensação de desespero que às vezes chega a pôr em causa a existência. Emoções avassaladoras que tomam conta dos dias e das noites, durante quase uma semana sombria, e que se dissolvem quase automaticamente com a chegada da menstruação. Assim que surge o período no corpo, eclode também na mente uma súbita sensação de alívio e tudo parece retomar alguma normalidade. Mas agora requer pensos higiénicos, tampões ou copos menstruais.
Se tem estas sensações ou ainda mais agudas, é tempo de deixar cair a conversa da tensão pré-menstrual e pedir ajuda séria à Ginecologia e, possivelmente, à Psiquiatria: poderá sofrer de Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM) que, em casos mesmo muito graves, pode levar “à ideação suicida e automutilação” nos dias que antecedem a chegada da menstruação.
No momento em que se assinala o Dia Internacional da Saúde da Mulher e da Higiene Menstrual, esta quarta-feira, 28 de maio, é tempo de pedir ajuda a quem sabe para explicar um transtorno grave que cai, não raras vezes, na conversa e na frase simples e condescendente: “Ah, coitada, está com o período!” Não, não está! Mas vai ficar melhor quando ele chegar. Contudo, até lá, é preciso reconhecer, antecipar e tratar um mal-estar que se repete todos os meses para muitas mulheres.
“Quando TDPM é agravado ou não tratado, os riscos podem ter consequências sérias para a saúde mental, qualidade de vida e relações sociais”, detalha a ginecologista e obstetra Irinia Ramilo. A autora da página A ginecologista da melhor amiga vinca que quem sofre deste estado pré-menstrual agravado pode apresentar “risco de suicídio e automutilação, agravamento das doenças mentais preexistentes, impacto funcional grave com problemas de relacionamento afetivo, uso indevido de medicamentos e dificuldade de diagnóstico e tratamento inadequado”.
A médica ginecologista e obstetra e cofundadora da MS Medical Institutes, Mónica Gomes Ferreira, faz alertas semelhantes. “As mulheres com TDPM têm maior risco de sofrer episódios depressivos e ansiosos ao longo da vida”, sendo que “existe uma forte associação entre o TDPM e outras condições de saúde mental, como a depressão maior, perturbações de ansiedade e perturbação bipolar”. Por isso, o diagnóstico e tratamento adequados são imperativos.
Transtorno agudiza entre os 30 e os 40 anos
Os sinais da presença desta condição vão muito além da Tensão Pré-Menstrual e arriscam ficarem mais intensos à medida que o tempo avança. “Os sintomas podem agravar-se com a idade, especialmente entre os 30 e os 40 anos, quando as flutuações hormonais se tornam mais acentuadas, particularmente nas mulheres que se aproximam da perimenopausa”, antecipa Mónica Gomes Ferreira, que explica: “Nessa fase, o organismo começa a apresentar maior sensibilidade às variações cíclicas das hormonas, o que pode intensificar os sintomas do TDPM.
Irina Ramilo lembra que, “com o envelhecimento, especialmente após os 35 anos, os níveis hormonais (estrogénio e progesterona) começam a variar de forma mais imprevisível. Essa instabilidade pode amplificar os sintomas do TDPM”. Marcadores biológicos a que se somam os desafios sociais e mentais. “Ao longo dos anos, fatores como stress crónico, responsabilidades familiares e profissionais e histórico de saúde mental podem afetar a intensidade dos sintomas. Mulheres com histórico de transtornos do humor (como depressão ou ansiedade) tendem a ter sintomas de TDPM mais intensos — e pode agravar-se com a idade”, acrescenta a especialista do Hospital dos Lusíadas.
As pistas concretas de que se está diante deste transtorno são vastas e, para lá dos sintomas físicos já conhecidos como as dores de cabeça, inchaço e dores musculares, emergem marcas como irritabilidade ou raiva, sensação de desespero, ansiedade, sentimento de estar fora de controlo, dificuldade de concentração e um acentuado desinteresse por atividades habituais. As insónias e variações nos padrões alimentares são também comuns nestes dias que precedem o período e para quem sofre com esta condição.
Não dá para erradicar, mas é possível atenuar
Quer Irina Ramilo, quer Mónica Gomes Ferreira concordam que não dá para anular totalmente o TDPM, mas há caminho para aliviar os sintomas. Somando ao inevitável acompanhamento médico especializado e multidisciplinar, a escolha de estilos de vida mais saudáveis podem ajudar.
“Manter uma alimentação equilibrada, praticar exercício físico regularmente, evitar o consumo excessivo de cafeína, álcool ou tabaco e garantir um sono de qualidade podem ajudar a reduzir o risco de agravamento dos sintomas”, elenca a ginecologista da MS Medical Institutes. A autora do site A Ginecolgista da minha melhor amiga fala em “redução do stress, psicoterapia e adoção de estratégias de identificação de gatilhos ou terapia cognitivo-comportamental.”
Em casos mais agudos, a ajuda farmacológica poderá ser inultrapassável e pode passar, como detalha Irina Ramilo, por “antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios não esteroides, diuréticos e contracetivos hormonais”. Recomendações que Mónica Ferreira Gomes também enumera e a que acrescenta suplementação de “cálcio e a vitamina B6”.
A menopausa não salva, muda o calendário!
Vista e classificada pela sociedade, de forma errada e tantas vezes, como o fim da vida das mulheres, será a menopausa a cura para este mal? Se se trata de um transtorno que chega todos os meses com a menstruação, o fim do período traz esperança às mulheres que sofrem de TDPM? A resposta é “sim” e “não”.
A menopausa, como refere Gomes Fereira, “tende a erradicar os sintomas, precisamente porque elimina os ciclos menstruais e, consequentemente, as flutuações hormonais que estão na origem do transtorno”, mas mantém-se aberta a janela das variações hormonais decorrentes desta nova fase da vida, mas não com a mesma natureza cíclica.
“A menopausa pode atenuar, mas não erradicar”, responde Irina Ramilo. E certifica: “Estudos indicam que mulheres com TDPM podem ter maior risco de menopausa precoce, mas a própria menopausa não elimina a tendência para alterações de humor e outros sintomas associados ao TDPM.”
A ginecologista alerta para a possibilidade de “as alterações de humor e outros sintomas psicológicos poderem persistir ou até mesmo piorar durante a perimenopausa e a menopausa, devido à instabilidade hormonal e a outros fatores, também os sintomas psicológicos do TDPM, como irritabilidade, ansiedade e depressão, podem ser exacerbados na perimenopausa pela mesma razão”. Acrescenta ainda que, “na menopausa, os sintomas do TDPM podem ser significativos e impactar a qualidade de vida das mulheres”, podendo levar, “em alguns casos, ao tratamento com terapia hormonal, antidepressivos ou outras formas de tratamento para lidar com os sintomas psicológicos”.
Tratando-se de um transtorno com elevado impacto na qualidade de vida das mulheres, com incidência mensal, e que arrisca perdurar para lá da vida menstrual, tanto Irina como Mónica recomendam que se preste atenção aos sintomas, que se converse sobre eles e que se procure ajuda especializada o quanto antes para tentar atenuar os efeitos desta condição física com tantas e arriscadas marcas mentais.