Futebol também passou a ser um meio para vincar diferenças mais profundas. Benfica e F. C. Porto entre os antagonistas mais mediáticos
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Em 1860, John Charles Shaw fez do Hallam FC o segundo clube mais antigo do Mundo com o objetivo primordial de fazer frente ao pioneiro Sheffield FC. O primeiro jogo de futebol de sempre, que também foi o primeiro dérbi de sempre, foi entre eles e não consta que as divergências extrapolassem para lá das quatro linhas. Apesar da proximidade geográfica, a disputa enclausurava-se dentro dos limites desportivos, da chamada, e tão em desuso, rivalidade saudável. Mas o futebol popularizou-se, globalizou-se. Tornou-se um meio de lutas maiores, de reivindicações, de protestos e de atingir vitórias pequeninas que, por instantes apoteóticos e inesquecíveis, quase compensam as derrotas mais mundanas. O futebol também passou a ser sociologia, filosofia, religião, economia, política, luta de classes, ricos contra pobres, trabalhadores contra patrões, o "contra tudo e contra todos". Nos casos mais extremos, começou, talvez, a ser movido mais pelo ódio contra os outros do que pelo amor aos nossos.
Os duelos entre Benfica e F. C. Porto também são isso tudo, daí serem sempre chamados ao barulho quando se fala das maiores rivalidades do futebol (e do desporto) mundial. Resumi-los aos 90 minutos, aos golos marcados e sofridos, é, portanto, minimizá-los. E isso também é válido para os Barcelona-Real Madrid (Espanha), os Boca Juniors-River Plate (Argentina), os Lazio-Roma (Itália), os America-Chivas (México), os Al Ahly-Zamalek (Egito), os Hamburgo-St.Pauli (Alemanha), os Celtic-Rangers (Escócia), os Liverpool-Manchester United (Inglaterra), os AIK-Djurgardens (Suécia), os Esteghlal-Persepolis (Irão). Em quase todos os países, em todos os continentes, há duelos em que o futebol é quase um pretexto menos perigoso para mitigar diferenças mais profundas.
Antagonismo mortal
Com tanta animosidade a corre nas veias e a fervilhar em cada pulsação, não é de estranhar que, vezes demais, a rivalidade tenha levado a episódios que ficaram guardados pelos piores motivos. Cenas de pancadaria, tiros, feridos, mortes, detenções e consternação. Quase todos os dérbis e clássicos têm associados notícias desoladoras. Uma das mais trágicas data de junho de 1968, quando confrontos entre adeptos do Boca Juniors e o River Plate no Estádio El Monumental provocaram 71 mortes e dezenas de feridos. No Egito, o comportamento de adeptos do Al Ahly e do Zamalek já cancelou campeonatos. Em Glasgow, invasões de campo, agressões a árbitros e a jogadores mancharam alguns duelos entre Celtic e Rangers. Há rivalidades em que o antagonismo é mais radical.
Clássicos decisivos na reta final
Benfica-F. C. Porto, 0-1 (2017/18 - 30.ª jornada)
Herrera cala a Luz
Um golo de Herrera, no minuto 90, silenciou o Estádio da Luz e lançou os dragões para a conquista do título, o primeiro sob a liderança de Sérgio Conceição. O Benfica, de Rui Vitória, entrou em campo na frente da classificação, mas a derrota anulou o ponto de vantagem e foi o mote para a festa portista no fim da época.
Benfica-F. C. Porto, 0-0 (2014/15 - 30.ª jornada)
Nulo segura liderança
Tal como em 2017/18, águias e dragões defrontaram-se na 30.ª jornada e com a luta pelo título ao rubro. Desta vez, o Benfica, de Jorge Jesus, tinha três pontos de avanço, pelo que não perder garantiria a continuidade na liderança e a vantagem no confronto direto. O nulo resistiu os 90 minutos e o Benfica seria campeão.
F. C. Porto-Benfica, 2-1 (2012/13 - penúltima jornada)
Kelvin na eternidade
Dois anos antes, contudo, Jorge Jesus não foi tão feliz. O jogo do título, na penúltima jornada, disputou-se no Dragão e parecia destinado a um empate que manteria as águias no topo. Até que Kelvin entrou na história dos clássicos. O brasileiro marcou aos 90+2, Jesus ajoelhou e o F. C. Porto foi campeão na jornada seguinte.
Benfica-F. C. Porto, 1-2 (2010/11 - 25.ª jornada)
Recital de Villas-Boas
Um dos melhores F. C. Porto da história não desperdiçou a oportunidade de tornar ainda mais especial uma época histórica. Antes de ainda conquistar a Liga Europa e a Taça de Portugal, a equipa de André Villas-Boas foi à Luz confirmar a conquista do título com um triunfo por 1-2. A festa foi regada e fez-se às escuras.
F. C. Porto-Benfica, 0-2 (1990/91 - 34.ª jornada)
César Brito resolve
Se não é uma das vitórias mais importantes do Benfica na casa do F. C. Porto, anda lá perto. As águias chegaram às Antas com um ponto de vantagem, pelo que a liderança estava em jogo. Os dragões passariam para a frente se ganhassem, mas César Brito saiu do banco para bisar e encomendar as faixas para a Luz.
F. C. Porto-Benfica, 1-1 (1977/78 - antepenúltima jornada)
Fim ao jejum de 19 anos
Há 19 anos sem ser campeão, o F. C. Porto recebeu o Benfica na penúltima jornada do campeonato com a liderança segura por um ponto. Uma derrota prolongaria aquela que foi a maior seca da história do clube, mas os dragões conseguiram um empate dramático com as águias, graças a um golo de Ademir aos 83 minutos.
Benfica-F. C. Porto, 0-0 (1968/69 - antepenúltima jornada)
Empate vale título
Colados durante praticamente todo o campeonato, águias e dragões defrontaram-se na penúltima jornada separados por dois pontos e com a luta pelo título totalmente em aberto. Os portistas precisavam de ganhar para subir à liderança, mas o duelo acabou sem golos. O Benfica manteve o primeiro lugar e seria campeão.
Benfica-F. C. Porto, 2-3 (1939/40 - última jornada)
Festa em casa alheia
Na última jornada, o F. C. Porto entrou na casa do Benfica pressionado pelo Sporting e obrigado a pontuar para não deixar fugir o título. Os dragões, que nessa época venceram 17 das 18 jornadas do campeonato, não perderam e só empataram uma, superiorizaram-se às águias e foram campeões pela terceira vez na história.