À descoberta do Quarteirão Atlântico da Foz, entre literatura, lojas e clássicos
O turista começa a chegar à Foz, mas os seus encantos ainda são desconhecidos por muitos, incluindo portuenses. Há tesouros naturais, referências literárias, mesas clássicas e novos negócios, num quarteirão vibrante, voltado para o mar.
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Há um Porto que ainda não foi completamente descoberto pelo turismo. Um Porto voltado para o mar, de aura literária, brisa fresca e salgada, lojas originais e mesas clássicas. Um Porto que se quer dar a conhecer com o projeto Like a Local Likes, uma iniciativa promovida pela Câmara Municipal do Porto que revela histórias dos oito quarteirões da cidade pelos seus habitantes. Afinal, quem melhor do que quem lá vive para nos dar a conhecer os encantos de um lugar?
Vamos à descoberta do Quarteirão Atlântico, o lado mais ocidental da cidade. O professor e historiador Hélder Pacheco viveu aqui toda a sua vida, na fronteira entre Lordelo e a Foz. Há 40 anos que escreve sobre o Porto e acaba de lançar mais um livro. "Porto: Do tempo na cidade" é uma compilação de textos publicados ao longo das últimas décadas, e tem propositadamente uma imagem da Praia do Molhe na capa. "A minha infância foi passada aí", diz-nos o autor e também cronista do JN, sentado a uma mesa no Café Moreira, aberto na década de 1960 na Rua da Senhora da Luz, onde costuma ir tomar café e comer um queque, a especialidade da casa.

Defensor da descentralização do turismo, acredita que é preciso mostrar os tesouros da Foz e atrair visitantes para o Quarteirão Atlântico. Turistas, sim. Mas também os portuenses. Alguns já começam a chegar, timidamente. Vêem-se a passear pelo Jardim do Passeio Alegre, mas ainda sem explorar a fundo a zona. Há uns anos, recorda o professor, "parava quase todos os dias no Chalé do Carneiro e não via estrangeiros". Esse quiosque construído em 1873 como um espaço de lazer no jardim ribeirinho, era à época "o rendez-vous da elite".
Lugar de encontro de intelectuais, escritores e artistas, como Raul Brandão, que imortalizou a vila piscatória da Cantareira no seu "Os Pescadores" e Camilo Castelo Branco, que frequentou a zona. "Encontrava-se com Ana Plácido num hotel de charme na Rua das Motas", conta o historiador. Podíamos fazer um roteiro das letras, mas os encantos deste quarteirão não se esgotam nas referências literárias. As suas praias de ares sadios tornaram-no uma atrativa estância balnear, inicialmente para a alta burguesia, e na viragem do século XIX para o século XX, com a chegada do elétrico e de outros transportes públicos, também para as classes mais baixas da cidade. "A democratização das praias vem com os transportes", revela.

O litoral portuense oferece um conjunto de areais aptos a banhos de sol e mar, a começar pela praia do Carneiro, em frente ao Forte de São João Baptista. Daí, havendo força nas pernas e vontade - reforçada depois de um lanche na clássica confeitaria Tavi - faz-se um prazeroso passeio pela costa recortada deste Quarteirão Atlântico, subindo a Avenida do Brasil e depois a de Montevideu, à sombra dos metrosideros que aí se alinham. "É a maior coleção de Europa" destas árvores com bonitas inflorescências vermelhas, realça Hélder Pacheco, alertando ainda para outra curiosidade: o tesouro geológico que é o Complexo Metamórfico da Foz, um conjunto de rochas - algumas com mais de mil milhões de anos - que se estendem ao longo da faixa litoral.
Assistir ao pôr-do-sol na pérgola da Foz é uma boa maneira de terminar o passeio, mas antes sugere-se ainda virar costas ao mar e enveredar pelas ruas sossegadas e pitorescas, no interior do quarteirão. E para meter os pés ao caminho nenhum momento é melhor do que o presente. No domingo, dia 24, "o Diabo andou à solta", segundo o professor. Foram as festas de São Bartolomeu, que encheram as ruas de cor e tradição. "As pessoas saem com trajes de papel, desfilam e vão tomar banho ao mar para expulsar o diabo", explica o nosso guia, dando mais um motivo para rumar à Foz neste verão.
Paragens
Espaço 7 Trend Store
Na Rua do Teatro, pacata e pitoresca, num edifício revestido de bonitos azulejos amarelos, salta à vista um conjunto de garrafas de vinho alinhadas numa janela de onde sai música para a rua. Acedendo à curiosidade de entrar descobre-se um espaço colaborativo onde cabem diversos projetos: o Armazém do Batata, uma loja de colecionismo e antiguidades com objetos tão variados quanto uma escrivaninha de viagem do século XIX a uma coleção de shakers que o proprietário reuniu nas suas viagens; a loja Bloo Girls, com uma seleção cuidada de vestuário, acessórios e peças de arte (tem também uma vertente de roupa em segunda mão); e a Not Alone Bookstore, uma pequena livraria e wine bar, onde se pode ir beber um copo e folhear um livro. No piso inferior e no terraço funciona ainda o restaurante Luca.

Cafeína
O restaurante Cafeína completou 30 anos de vida. Uma longevidade que se pode atribuir à consistência na qualidade do serviço, e à capacidade de se manter atual e fresco. Soube trazer ligeiras alterações e novidades ao longo dos anos, sem perder a essência, para manter o interesse dos seus comensais. Quando abriu, foi pioneiro no fine dining na cidade, e talvez essa diferença tenha tido parte no sucesso. A carta é dinâmica, mas há pratos com lugar cativo, como é o caso do bife Wellington, que este verão voltou a ser servido à fatia, num carrinho que percorre a sala de mesa em mesa. O robalo com arroz de bivalves, brilha no capítulo dos sabores do mar. E nas sobremesas destaca-se o Simão e Teresa, uma interpretação do típico Romeu e Julieta, rebatizado com os nomes dos protagonistas do romance "Amor de Perdição", de Camilo Castelo Branco.

Nuno Miguel Ramos
O designer Nuno Miguel Ramos encontrou na Foz o recanto ideal para instalar a sua primeira loja em nome próprio, onde dá asas à criatividade, abrindo portas não só à moda, mas também à arte e à colaboração. "Não há limites", admite o designer. Depois de vários anos a morar em Zurique, Nova Iorque e Paris, Nuno voltou a Portugal em 2020 - ano em que lançou a sua marca - e durante a pandemia vinha com frequência passear na Foz, ver o pôr-do-sol. Apaixonou-se. "Não sei explicar, é como se eu estivesse em casa." Inspirou-se nas cores do mar e da praia para a primeira coleção cápsula: peças limitadas, feitas com tecidos em fim de stock. A ideia é de dois em dois meses lançar uma nova coleção. A par do vestuário, Nuno também expõe ali as suas peças de cerâmica e quer ainda trazer mais expressões criativas de outros artistas.

