Homicida tinha três filhos e vivia contrariado em Portugal. Antes dos crimes, recebeu chamada que o deixou muito nervoso.
Corpo do artigo
Abdul Bashir, refugiado afegão de 34 anos, matou esta terça-feira duas assistentes sociais do Centro Ismaili, em Lisboa. O suspeito, que se queixava da vida em Portugal e queria sair do país, tinha acabado de receber um telefonema, por volta das 11 horas, quando partiu para cima das vítimas com uma faca de grande dimensão. Na altura, decorriam aulas de integração de refugiados e imigrantes afegãos na instituição da comunidade muçulmana em Portugal, na Avenida Lusíada, em Lisboa.
As vítimas, Farana Sadrudin, de cerca de 40 anos, e Mariana Jadaugy, na casa dos 20, eram portuguesas de ascendência indiana. Morreram ali mesmo, no corredor das salas de aula do Centro Ismaili, onde ajudavam os afegãos a integrar-se.
Segundo apurou o JN, Abdul Bashir recebeu um misterioso telefonema que o deixou nervoso. E, logo a seguir, dirigiu-se à primeira vítima mortal, como se esta fosse um alvo predeterminado. Alertada pelos gritos, a segunda mulher tentou socorrer a colega e também foi mortalmente esfaqueada.
Os gritos atraíram uma terceira funcionária. Abdul também a ameaçou de morte e tentou agredi-la, mas a mulher conseguiu fugir e barricou-se numa divisão do Centro.
Houve ainda um professor de Português, que estava numa sala com 16 alunos e que tentou socorrer as vítimas. Foi atacado com golpes de faca no peito e no pescoço, mas sobreviveu. Foi transportado para o Hospital de Santa Maria.
Rejeitado pela Alemanha
A PSP chegou ao centro e encarou o agressor quando este atacava aquele professor. Elementos da Esquadra de Intervenção Rápida ordenaram ao atacante que largasse a arma, mas este ter-se-á lançado, de faca em punho, na direção dos polícias. Nesse instante, foi neutralizado, com um tiro numa perna. Depois, foi levado para o Hospital de São José. Não corre perigo de morte e, depois de receber alta hospitalar, será formalmente detido pela Polícia Judiciária.
Abdul Bashir chegou a Portugal há um ano. Passou por campos de refugiados, nomeadamente na Grécia, onde a sua mulher morreu. Vivia agora em Odivelas, onde a PJ ontem fez buscas, com três filhos, de quatro, sete e nove anos.
Depois de chegar a Portugal, o afegão decidiu mudar-se para a Alemanha, mas foi aqui rejeitado, porque tinha sido em território português que obtivera o estatuto de refugiado. Regressou a Lisboa há cerca de três meses.
Para já, nada na investigação aponta para um ato de natureza terrorista. Mas as autoridades não podem ainda descartar tal hipótese. E vão fazer uma perícia ao telemóvel do agressor, desde logo, para perceber com quem ele conversou antes dos crimes.
Estes causaram alarme e consternação no Centro Ismaili. Nizam Mirzada, irmão de uma jovem afegã que estava numa aula e era colega do agressor, diz que este andava nervoso. "Nos grupos de chat dos alunos, ele não queria participar nos trabalhos de grupo e ainda esta segunda feira insultou colegas. Não queria estar em Portugal, nem gostava de ter estas aulas, que são obrigatórias para os refugiados", conta Nizam ao JN.
Celebra o culto e ajuda na integração
O Centro Ismaili foi inaugurado, em julho de 1998, pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, e por Aga Khan IV, líder espiritual do ismaelismo. É o principal ponto religioso da comunidade ismaelita, a segunda família com mais seguidores dentro do xiismo, uma vertente do Islamismo. Além das celebrações religiosas, no seu edifício da Avenida Lusíada, em Lisboa, o Centro Ismaili trabalha na integração e ensino de refugiados afegãos em Portugal. Estima-se que em todo o mundo haja 15 milhões de seguidores e, em Portugal, serão cerca de dez mil. O Centro Ismaili, como se pode ler no seu website, procura, através de iniciativas como palestras, conferências e exposições, expressar as aspirações e valores da Comunidade Ismaili, mas também ser um agente ativo no desenvolvimento da sociedade em que se insere.
Perfil
Abdul Bashir, de 34 anos, é afegão e, até chegar há um ano a Portugal ao abrigo da cooperação europeia, passou por vários campos de refugiados, incluindo na Grécia, onde a sua mulher morreu. É pai de três crianças e, já depois de ter entrado em território nacional, decidiu mudar-se para a Alemanha. Barrado pelas autoridades germânicas, por ter sido em território português que obteve o estatuto de refugiado, regressou à Grande Lisboa há cerca de três meses, com os filhos, de nove, sete e quatro anos. Residente em Odivelas e apesar de estar algo contrariado em território nacional, tinha uma vida tranquila e não tinha sido alvo de qualquer sinalização pelas autoridades. Chegou a receber apoio psicológico e era apoiado pela comunidade ismaelita, onde tinha aulas de português, e de quem recebia ajuda alimentar e para cuidar das crianças.