Bebé internado no S. João: pedopsiquiatra explica impacto de não tratar traumas de infância
Segundo a pedopsiquiatra forense Ana Vasconcelos, pessoas num stress brutal deixam de ter consciência moral e podem cometer a mais terrível das loucuras. Mesmo maltratar um filho. O perigo é maior em quem sofreu um trauma que nunca tratou e que se esconde no cérebro à espera do tempo certo para se manifestar. Neste contexto, interessa ajudar através de psicoterapias e de uma Justiça que promova a reabilitação social.
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A participação num crime violento aos 12 anos justifica mais violência?
Freud explica que uma mãe que perdeu o seu bebé passava o dia a embalar um tronco de madeira, não porque o tronco fosse um substituto da criança, mas porque não conseguia pensar na ausência do filho. Ou seja, há memórias traumáticas que ficam enquistadas no nosso cérebro e que nunca foram muito esclarecidas. Não é para a desculpar, mas descobriu-se agora que os miúdos vítimas de violência produzem uma proteína que se enquista numa zona dos genes para que o cérebro produza mais Serotonina, que é um neurotransmissor de que precisámos para encontrar estratégias quando o Mundo nos está a agredir.
E terá sido isso que agora sucedeu?
Pode acontecer que uma mulher, com vivências de pobreza económica e emocional, face à situação de ser mãe de uma criança, viva uma situação de impotência e não esteja em condições de saúde mental para ser uma mãe responsável. Pode ver a criança como um objeto intruso e, numa situação de sofrimento brutal e de loucura materna, pode abanar a criança para ela se calar sem ter a consciência dessa situação. Está estudado pela neuroética que pessoas num stress brutal deixam de ter consciência moral e isso pode acontecer a qualquer um de nós. Essa miúda pode ter ficado enfermada este tempo todo com uma memória que a atormentava e, perante um novo momento de muito tormento, viu os fantasmas voltarem.
O objetivo seria eliminar, de vez, esse tormento?
Naquela altura, ela não veria a criança como o seu bebé, ela veria um objeto que a incomodava e que não lhe dava o sossego de que precisava. É preciso que ela explique a sua narrativa. Existe uma nova terapia, o EMDR, espécie de sucedâneo da hipnose, que ajuda as pessoas a desfazer memórias traumáticas. E as memórias que essa mulher tinha impediam-na de ser uma mãe responsável, sobretudo perante as vicissitudes que a maternidade lhe estava a trazer.
Alguém pode superar um trauma igual ao que esta rapariga sofreu?
Sim. Há métodos psicoterapêuticos e psicofarmacológicos para ajudar a que as pessoas arrumem emocionalmente essas memórias, para que estas não as atormentem.
Mais importante do que condenar, interessa ajudar?
A Justiça tem de existir, mas num novo modelo, a Justiça retributiva, que permita ser uma ajuda psicológica. Não é só condenar com pena jurídica, é também dar estratégias e que este caso nos ajude a pensar que há outros modelos para que o humano não perca a sua capacidade mais importante, que é julgar sem aniquilar o outro.