Uma clínica de cirurgia plástica de Cascais foi condenada a pagar 50 mil euros a uma mulher de Viseu a quem, durante uma operação, extraiu um nódulo da mama que enviou para análise.
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Demorou mais de quatro meses a comunicar o pior dos resultados: tratava-se de um cancro de grande agressividade, o que obrigou a doente a tratamentos intensivos, alguns dos quais poderiam ter sido evitados. Após meses de sofrimento, o caso acabou em mastectomia total. Absolvido na primeira instância, o estabelecimento de saúde seria condenado na Relação de Lisboa, decisão já confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Mas vamos aos factos dados como provados. Em fevereiro de 2013, a doente foi submetida na Clínica Europa a uma mamoplastia, intervenção que foi aproveitada para extração de um nódulo da mama direita antes detetado pelo médico de família. Ficou combinado que a clínica, no caso o cirurgião que a operou, deveria mandar com urgência analisar o material retirado, o que fez, enviando-o para o Laboratório de Anatomia Patológica, SA, que menos de duas semanas depois, a 5 de março, enviou o resultado que dava conta de um "carcinoma invasivo".
Tratamento e recaída
Nas três consultas que teve na clínica com o cirurgião, a seguir à mamoplastia, a paciente tentou saber do resultado da análise, mas sempre lhe foi dito que ainda não chegara resposta do laboratório. Apenas em finais de julho, quase cinco meses depois, e em resposta a correio formal do marido, a clínica informou da natureza maligna do nódulo. "Dada a gravidade da situação, tornou-se imperioso adotar as medidas e procedimentos terapêuticos urgentes" e a mulher recorreu à Fundação Champalimaud, onde rapidamente teve consulta de oncologia e fez exames, que confirmaram tratar-se de um carcinoma invasivo em estado avançado.
Fez quimioterapia, radioterapia, um ciclo que durou meses e que foi "infernal", deixando-a prostrada física e psicologicamente. Acabaria submetida a mastectomia da mama direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexotomia bilateral. Quando julgava estar a salvo, verificou-se progressão da doença entre o final da quimioterapia e a cirurgia, pelo que fez mais quatro ciclos de quimioterapia, e foi aconselhada a manter-se sob vigilância "com a periodicidade de três meses, e até aos três anos" após a intervenção. O processo de reconstrução mamária durou anos.
Informada de que "o prognóstico dos tumores malignos é afetado se existir atraso no início da terapêutica, sendo desejável que esta seja implementada o mais cedo possível após o conhecimento do diagnóstico", a paciente decidiu levar a tribunal a clínica Europa e o diretor clínico, Francisco Ibérico Nogueira. Reclamava quase 250 mil euros, alegando "perda de chance", pois o comportamento da clínica e do médico a impediram de se tratar mais cedo e quando tinha hipótese de obter melhores e mais rápidos resultados.
Na primeira instância, clínica e médico foram absolvidos. Sacudiram responsabilidades do atraso da comunicação para cima do laboratório que analisara o nódulo, chegando ao ponto de alegar que, de qualquer modo, a senhora, mesmo que informada a tempo, teria de fazer os mesmos tratamentos e suportar as mesmas vicissitudes.
Tratamento prejudicado
Mas a Relação "corrigiria" a (falta de) justiça, ao considerar largamente provados factos que a primeira instância desconsiderou. Os desembargadores, em decisão unânime, concluíram que "não foram desencadeados os procedimentos de diagnóstico e de tratamento que deveriam ter sido realizados; que o prognóstico dos tumores malignos é afetado se existir atraso no início da terapêutica, sendo desejável que esta seja implementada o mais cedo possível após conhecimento do diagnóstico; e que o atraso na comunicação das análises acabou por prejudicar as hipóteses de tratamento".
E, por isso, condenaram a clínica e o seu diretor clínico a pagar 50 mil euros de indemnização à doente. Os réus recorreram para o STJ que, em acórdão datado de 26 de junho, confirmou integralmente a decisão da Relação. O JN tentou de diversas formas obter uma reação da Clínica Europa, mas não obteve resposta.
Pormenores
Críticas à absolvição
A Relação considerou ainda que o tribunal de primeira instância violou "vários artigos dos códigos de justiça", pois "ainda que não tivesse sido demonstrado o nexo de causalidade entre os danos invocados pela autora e a atuação da ré, de acordo com a teoria da causalidade adequada, teriam os réus que ser condenados a indemnizar a autora pela perda da chance de os evitar que a sua conduta provocou".
"Foi um favor"
No primeiro julgamento, a clínica alegou nem sequer ser obrigada a retirar e mandar para análise o nódulo. "Foi um favor", disseram, desculpa aceite pela primeira instância. Porém, a Relação considerou que não só não se tratou de um favor como o ato foi faturado.
250 mil euros foi quanto pediu inicialmente a mulher de indemnização à clínica e ao cirurgião, valor que foi posteriormente fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 50 mil euros.