Constituição é "roteiro" se "opinião pública" for de recuo do Estado social de Direito
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou, esta terça-feira, para a importância da Constituição num eventual contexto em que "a moda na opinião pública" vá no sentido de um "recuo do Estado social de Direito" e não, como tem acontecido no passado recente, na obtenção de "mais e melhores direitos".
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"E se essa moda se ampliar aqui e ali por fenómenos de reação emotiva ou de contestação sistémica a outros setores da comunidade? Devem a legislação, a administração e depois a Justiça necessariamente acompanhar ou mesmo acelerar essa mudança?", questionou, na abertura solene do ano judicial, em Lisboa, o chefe de Estado, sublinhando que "a resposta a esta pergunta não é indiferente para nada nem para ninguém".
"A resposta cabe a todos e a cada um de nós. Mas a Constituição dá-nos balizas, guiões, roteiros, quadros de valores gerais e abstratos sobre o Estado democrático de Direito e toda a sua substância e respetivos corolários", acrescentou, numa altura em que está em curso um processo de revisão constitucional, ao qual não se referiu diretamente.
"Vale a pena reafirmar que os valores personalistas e humanistas - valores esses fundamentais que a Constituição se quis e se deve querer ser portadora - são irrenunciáveis e inegociáveis. Neles começa, por eles passa e com eles deve afirmar-se a Justiça que hoje aqui evocamos", afirmou.
Pede "perspetiva de longo fôlego"
Marcelo Rebelo de Sousa lamentou, ainda, que o pacto para a Justiça que propusera em 2017 tenha tido efeitos "limitados e precários no acesso à Justiça", não obstante o "algum sucesso" registado no âmbito da magistraturas.
O presidente da República apelou, por isso, a que não se prescinda de uma "perspetiva de longo fôlego" para a Justiça, nem que esta chegue a 2026 - ano em que termina a atual legislatura - com "uma gestão quotidiana, pontual e casuística de um sistema cada vez mais afastado da realidade". "Legisla-se e administra-se demais para o passado", apontou, lembrando que o país de 2023 não é o mesmo dos anos 1990 ou do início do século XXI.
Marcelo Rebelo de Sousa foi o último a discursar na cerimónia de abertura do ano judicial, que decorreu, esta terça-feira à tarde, no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
A sessão solene contou também com intervenções da bastonária dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, da procuradora-geral da República, Lucília Gago, do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.