Criança de três anos chegou ao hospital de Setúbal com marcas de agressões no corpo e na face. Passou a última semana em casa de ama, que nega ter dado anti-histamínico forte à menor e justifica hematomas com queda de cadeira.
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Jéssica Biscaia, a menina de três anos que morreu em Setúbal, pode ter sido vítima de violência continuada. À chegada ao hospital, apresentava no corpo marcas de agressões antigas. Já na face, eram visíveis sinais de agressões recentes, que poderão ter sido a causa da morte. Esta suspeita terá de ser aferida na autópsia ao corpo, tal como a de que a menina foi drogada com Atarax, um anti-histamínico potente.
De acordo com a mãe da criança, uma cuidadora a quem aquela esteve entregue durante uma semana administrou-lhe o Atarax. A cuidadora, porém, desmente que tenha dado qualquer medicamento e terá dito aos inspetores da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal que a menina caiu de uma cadeira.
Seis filhos aos 35 anos
Até haver resultados da autópsia, que será feita esta quarta-feira, a PJ está no terreno a traçar os detalhes dos últimos dias de vida da menor, a mais nova de seis irmãos, que chegou a viver na rua com a mãe, Inês Marinita, de 35 anos, conforme contaram fontes próximas da família. Desempregada e fadista aos fins de semana, Inês foi vítima de violência doméstica na sua anterior relação e forçada a abandonar a casa. E foi então, há meio ano, que conheceu o atual companheiro e foi viver para casa dele, no bairro piscatório Santos Nicolau. Os outros cinco filhos de Inês vivem com os seus pais.
Na última semana de vida de Jéssica, a mãe deixou-a entregue a uma cuidadora da sua confiança, Tita, que reside na Baixa setubalense, numa casa com condições precárias. Inês disse ao companheiro que a filha tinha ido para uma colónia de férias, mas na verdade, estava a cerca de 200 metros de casa, enquanto os dois seguiam a sua rotina.
Esta segunda-feira, segundo o companheiro de Inês, a menina chegou a casa com a mãe e foi dormir. O pescador também dormia e, ao acordar, ouviu Inês dizer que a menor tinha hematomas na cara, e que a ama com quem havia estado lhe dera Atarax.
Pescador surpreendido
O pescador ficou surpreendido com o estado da menina e com o facto de Inês lhe ter mentido ao dizer que a filha estava numa colónia de férias. À hora de almoço, foi buscar comida para os três e, quando voltou a casa, Inês disse-lhe que Jéssica não respirava. Foi então acionado o 112.
Os socorristas encontraram a vítima em paragem cardiorrespiratória, entubaram-na e transportaram-na para o Hospital São Bernardo, a meio quilómetro de distância, mas a menina acabou por falecer.
A PJ foi chamada. Os inspetores começaram por fazer buscas na casa do bairro piscatório. Inês Marinita contou então aos inspetores aquilo que já tinha dito ao companheiro.
Os polícias procuraram ali indícios de crimes e dirigiram-se à casa da suposta ama. Tita terá alegado que cuidou da menina durante uma semana, mas negou ter-lhe dado qualquer medicação. Ao justificar os hematomas, referiu que, no domingo, a criança caiu de uma cadeira. A PJ também fez buscas naquela casa, localizada no Beco da Penhana, durante a noite de segunda-feira. Eram desconhecidas detenções até ao final do dia de terça-feira.
O JN entrou em contacto com a mãe de Jéssica, mas esta recusou-se a falar sobre o que aconteceu. Na casa da cuidadora, não se encontrava ninguém que pudesse falar sobre o assunto. Vizinhos das duas moradas lamentaram a morte de uma menina "cheia de vida, alegre e sorridente".
Atarax
Usado em alergias e difícil de ser dado a mais sem querer
O Atarax, que poderá ter sido administrado à menina antes de esta morrer, é um anti-histamínico usado no tratamento de "alergia de pele em que está associado muito prurido", explica ao JN, sem se pronunciar sobre o caso de Setúbal, o pediatra Caldas Afonso. "É um medicamento que utilizamos com muita frequência em pediatria", conta, sublinhando que, apesar de o fármaco estar "associado a alguma sedação", não é fácil ser administrado em excesso e causar a morte. "Não é daquelas situações em que haja uma margem muito curta entre a margem terapêutica e a margem tóxica", justifica o diretor do Centro Materno Infantil do Norte, que também diz que o Atarax não é usado para tratar ferimentos causados por uma queda: "Não tem nada que ver uma coisa com a outra."