Tentativas de intrusão iguais aos casos da Doyen e do Benfica detetadas em vários ministérios. Governantes também foram alvos.
Corpo do artigo
Rui Pinto, o pirata informático detido na Hungria, onde aguarda decisão sobre a extradição para Portugal por causa do caso Football Leaks, é suspeito de ter tentado espiar o Governo e governantes portugueses. Vários ataques informáticos que tiveram por alvos ministérios estão agora a ser investigados pela Polícia Judiciária (PJ). Os indícios apontam para o jovem de Gaia que também terá atacado o Benfica.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, as autoridades detetaram que substanciais tentativas de "exfiltração de dados" visaram e-mails trocados entre governantes, incluindo ministros e secretários de Estado, e outros decisores do Estado. As autoridades desconhecem se os ataques tinham alvos pré-definidos ou se eram aplicados de forma aleatória.
As investidas terão sido perpetradas entre 2016 e 2017. Todas foram reportadas às autoridades, que começaram a investigar de que forma era feitas estas intrusões. O método utilizado aponta para o jovem gaiense, de 30 anos, que, desde a semana passada, está no centro de uma batalha jurídica entre as autoridades portuguesas, que querem ouvi-lo no âmbito da investigação ao caso Football Leaks, e os advogados de defesa, que alegam que Rui Pinto tem estado a colaborar com as autoridades francesas e suíças, no âmbito de investigações por crimes económico-financeiros.
Para já, as autoridades portuguesas ainda não têm conhecimento dessas alegadas colaborações.
Estado posto em causa
"Há uma constância na prática de crimes, há uma continuação da atividade criminosa e que tem vindo a revelar-se perniciosa para instituições, e até do próprio Estado", declarou Carlos Cabreiro, diretor da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime, no dia da detenção de Rui Pinto, na semana passada.
Certo é que, em Portugal, o Ministério Público e a PJ querem ouvi-lo por crimes de violação de segredo e extorsão qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo e ofensa a pessoa coletiva. Estes crimes e o respetivo mandado de detenção europeu apenas dizem respeito ao caso do roubo de e-mails da Doyen, um fundo de investimento para jogadores de futebol, que deu origem ao Football Leaks.
Mas a PJ encontrou muitas semelhanças entre este ataque e o que sofreu o Benfica. Nos dois casos, o ataque informático terá sido, aparentemente, praticado através dos mesmos servidores, situados na Europa e nos Estados Unidos da América. Também os vetores de ataques (a técnica usada para penetrar nos sistemas do Benfica e da Doyen) usados foram os mesmos. Todas essas semelhanças levam as autoridades a suspeitar que Rui Pinto protagonizou as tentativas de intrusão nos ministérios entre 2016 e 2017 ou que terá participado nos ataques.
Até agora, através dos seus advogados, o pirata só assume a sua colaboração com a plataforma Football Leaks, através da qual foram divulgados milhões de documentos sobre negócios obscuros do mundo do futebol.
Pormenores
Nota interna da PJ
Uma nota interna do responsável da PJ pelo caso e-Toupeira foi tornada pública através do blogue Mercado de Benfica. A nota descrevia o facto de o investigador ter recebido uma chamada anónima dando conta de que o Benfica teria uma toupeira no sistema judicial.
Mercado do Benfica
A Polícia Judiciária suspeita que o blogue que tem revelado os e-mails do Benfica é gerido por Rui Pinto.
Mário Centeno
O inquérito dos "bilhetes VIP" do ministro Mário Centeno, para ver um jogo no Estádio da Luz, também foi tornado público no Mercado de Benfica.
Técnica de intrusão
Para atacar, os piratas enviam e-mails, aparentemente de fonte confiável, mas que direcionaram as vítimas para vírus. Depois de aberto, o pirata consegue sacar tudo o que o computador da vítima tem guardado.
Material apreendido
O material informático apreendido pelas autoridades húngaras, aquando da detenção de Rui Pinto, foi selado e deverá ser enviado para a PJ. São computadores e discos externos com informação considerada valiosa.
Saiba mais
500 mil euros
Em 2015, a Doyen recebeu um e-mail de um misterioso "Artem Lobuzov", que pedia 500 mil euros, para não divulgar documentos confidenciais.
Emigrou
Quando surgiu o Footbal Leaks, Rui Pinto, licenciado em História e autodidata na informática, emigrou para a Hungria, Budapeste, onde tinha estado durante os estudos.
Divulgação
Apenas 20% dos e-mails roubados ao Benfica foram, até hoje, tornados públicos. São milhares de mensagens de correio eletrónico trocadas entre 2008 e 2017 por responsáveis do clube da Luz.