Yasser trabalhava num restaurante de Lisboa que emprega refugiados e não era tido como uma ameaça. Procedimento normal de segurança prevê avaliação dos locais a visitar pelos governantes.
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Yasser Ameen, 32 anos, um dos dois irmãos iraquianos detidos pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de pertencerem ao Estado Islâmico, esteve, em 2018, com o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o antigo presidente Jorge Sampaio e outras personalidades no restaurante Mezze, em Arroios, Lisboa, onde trabalhava. Na altura, já estava a ser investigado.
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Das fotografias disponíveis na página do restaurante, destaca-se a informalidade e a discrição da segurança. Apesar de a presença de Yasser não suscitar grandes preocupações às forças de segurança, dada a rapidez e tranquilidade com que se vinha integrando na sociedade portuguesa, foi feita uma avaliação de risco antes da visita.
O encontro com António Costa, divulgado ontem pelo Diário de Notícias, ocorreu em janeiro de 2018, naquele restaurante, um projeto da Associação Pão a Pão que visa dar formação e emprego a refugiados. O iraquiano surge em duas fotos ao lado de Costa e Sampaio, mas também foi um dos protagonistas numa reportagem da RTP, na altura. Nela, Yasser é chamado Adam, nome pelo qual a mãe o tratava, segundo descreve o Mezze [ler texto ao lado], e responde num inglês perfeito.
Há também uma fotografia de grupo feita no final de um almoço com Marcelo Rebelo de Sousa, em junho do mesmo ano, onde estiveram embaixadores na União Europeia e de países candidatos e em que Yasser surge perto do presidente.
Yasser e o irmão, Amman, 34 anos, entraram em Portugal em 2017 beneficiando de uma autorização de residência provisória. As suspeitas sobre a sua militância no Estado Islâmico surgiram pouco depois, através de uma denúncia feita por um refugiado iraquiano ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Ao contrário de Yasser, Amman foi considerado hostil desde o primeiro momento e veria o seu pedido de asilo sucessivamente recusado pelo SEF e pelos dois tribunais para os quais recorreu.
Partilha de informação
Sobre como foi possível, dados os vários alertas de segurança sobre ambos os irmãos um deles ter participado nas visitas dos governantes, fonte da PJ confirmou ao JN que a informação sobre os dois iraquianos foi partilhada, desde o primeiro momento, na Unidade Contra Terrorista (UCAT), onde têm assento serviços de informações civil e militar (SIS e SIED), SEF, PSP, GNR, PJ, Autoridade Marítima e Secretário de Segurança Interna.
Nessa altura, Yasser, apesar de estar a ser vigiado e investigado, não tinha cometido crimes em Portugal e beneficiava do princípio de presunção de inocência. Como tantos outros refugiados acolhidos em Portugal, que concluíram o seu processo de integração sem entraves. Por outro lado, não era conhecida a este refugiado qualquer iniciativa suspeita e ameaçadora para altas patentes portuguesas.
Mesmo assim, a passagem pelo restaurante, tendo em conta o protocolo de segurança aplicado às deslocações dos governantes, terá sido alvo de uma avaliação de risco pelo Departamento de Informações da PSP que já sabia da investigação aos irmãos iraquianos e que um deles trabalhava no restaurante.
O JN questionou a Presidência da República, o gabinete de António Costa, o SIS, o SIED sobre a organização da segurança nas visitas mas não obteve resposta.
Autarca de Lisboa e embaixador dos EUA no Mezze
A lista de personalidades que visitou o Mezze inclui também o presidente da Câmara Municipal e Lisboa, Fernando Medina, e o embaixador dos Estados Unidos da América no nosso país, George Edward Glass. Numa foto datada do dia da inauguração do restaurante, 17 de setembro de 2017, podem ver-se o autarca e o diplomata, juntamente com outros membros da vereação da autarquia lisboeta. Yasser surge encostado ao balcão do restaurante.
A presença de Fernando Medina e do embaixador pode explicar-se pelo facto de o restaurante ter tido o apoio da autarquia lisboeta, do Alto Comissariado para as Migrações, da Embaixada dos Estados Unidos da América em Portugal, bem como do Grupo Jerónimo Martins, Fundação EDP e dezenas de parceiros privados e centenas de apoiantes através de uma campanha de crowdfunding.
O restaurante, localizado no Mercado de Arroios, levou António Costa a afirmar que "Portugal tem sido exemplar no acolhimento a refugiados. O restaurante Mezze (...) é prova da integração bem-sucedida, fruto do empreendedorismo e do apoio da sociedade civil e de instituições públicas e privadas"
Reação
Ultrapassar choque
A Associação Pão a Pão, fundadora do Mezze, referiu ao JN que "a nossa preocupação está em garantir que a nossa equipa ultrapassa este choque da melhor forma possível e é nisso que nos focamos. Reiteramos que a Pão a Pão espera que este caso - que representa uma ínfima minoria - não venha prejudicar a solidariedade que Portugal e os portugueses devem ter para com quem precisa de ajuda e com aqueles que são as principais vítimas do extremismo islâmico".
Ficar em Portugal
Numa publicação entretanto apagada, o Mezze afirmava que Yasser nasceu e cresceu em Mossul, no Iraque. "Com a cidade sob controlo do DAESH, sem trabalho e sem conseguir terminar o curso de Medicina (do qual completou três anos), acabou por deixar o país, juntamente com o irmão mais velho. Chegou a Portugal em meados de 2017" e é aqui que "conta ficar".
Cronologia
Jul. 2017 - Denúncia
No dia 26, o SEF recebe uma denúncia de um exilado iraquiano sobre Yasser e Amman, identificando-os como militantes do Estado Islâmico. Tinham chegado há pouco da Grécia ao abrigo de protocolos assinados no âmbito do apoio da União Europeia a refugiados e passaram todas as triagens de segurança. Yasser veria o seu pedido de asilo aprovado, ao contrário do irmão.
Ago. - Partilha
No dia 10, a informação do SEF é partilhada no âmbito da Unidade de Coordenação Anti-Terrorista (UCAT) que junta secretas e todas as forças de segurança. A PJ abre um inquérito e inicia investigações sobre os dois irmãos.
Out. - Alerta de atentado
O SIS recebe de uma congénere estrangeira informação sobre possível atentado na Alemanha e faz relatório onde aponta os irmãos como suspeitos de integrarem o grupo, considerando-os uma ameaça à segurança nacional.
Jan. 2018 - Visitas oficiais
António Costa e Jorge Sampaio visitam o restaurante Mezze onde Yasser trabalhava. Depois, também Marcelo ali conviveu com ele. Em 2017 já lá tinha estado o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.
Set. 2021 - Prisão preventiva
Os dois irmãos são detidos e presos preventivamente por pertencerem ao Estado Islâmico.