Um dia depois de o Ministério da Justiça ter solicitado à Procuradoria-Geral da República (PGR) um parecer sobre a legalidade da greve dos oficiais de justiça em curso desde 15 de fevereiro, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), António Marçal, garantiu esta quinta-feira que basta ao Governo incluir no vencimento o suplemento de recuperação processual e descongelar, já em 2023, as promoções na carreira para que o protesto seja suspenso.
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"Estamos abertos a uma negociação para que seja de forma faseada", ressalvou, ao JN, o líder sindical.
Tal mostraria "uma inflexão daquela que tem sido a postura dos últimos 20 anos" e permitiria avançar para as negociações da revisão do estatuto profissional dos oficiais de justiça, cujo início está agendado para este mês de março, "sem crispação". "Queremos ser parte da solução", sublinhou António Marçal.
Esta quinta-feira, o SFJ confirmou, com a entrega de um novo pré-aviso de greve, que a paralisação - que já adiou mais de quatro mil julgamentos e outras diligências - poderá prolongar-se até 15 de abril, tal como António Marçal já antecipara em janeiro ao JN, falando então no protesto "mais duro" dos últimos anos.
Em causa está o facto de a greve ter sido desenhada de modo a permitir que, durante dois meses e apesar de se apresentarem diariamente ao trabalho, os funcionários judiciais não assegurem diligências nem realizem atos contabilísticos ou do registo criminal.
Terá sido este caráter inovador do protesto que levou o Ministério da Justiça, tutelado por Catarina Sarmento e Castro, a pedir um parecer sobre a sua legalidade ao Conselho Consultivo da PGR. O pedido, apresentado na quarta-feira e noticiado pelo jornal "Público", "foi distribuído ao relator e encontra-se em análise", confirmou, ao JN, a PGR.
Ministério Público investiga
Paralelamente, o Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça está a investigar, na sequência de uma queixa-crime, se a diretora-geral da Administração da Justiça, Isabel Matos Namora, coagiu, numa sucessão de ofícios aos administradores judiciários, os oficiais de justiça a não fazerem greve.
Em causa está, sobretudo, a indicação dada pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), tutelada pelo Ministério da Justiça, para que, "todas as segundas-feiras", remetessem àquele organismo um ficheiro com as "faltas associadas à realização das greves, com os inerentes adiamentos ou falta de realização de atos". Na prática, terão chegado a ser marcadas falta a oficiais de justiça que estavam a trabalhar mas não realizaram atos abrangidos pelo pré-aviso.
Isabel Matos Namora, juíza desembargadora em comissão na DGAJ, já assegurou entretanto ao SFJ que tal se destina apenas a fins estatísticos, não implicando perda automática de ordenado. "A verdade é que [tal] não foi comunicado aos serviços", lamentou, ao JN, António Marçal, defendendo que a solução encontrada poderia ter até implicações processuais: "Como é que eu posso estar ausente e ter praticado um ato que tem alguma relevância processual?"
Para o SFJ, a diretora-geral terá violado o artigo 540.º do Código do Trabalho, que proíbe a coação, prejuízo ou discriminação de trabalhadores que adiram, ou não, a uma greve. A infração constitui uma contraordenação punível com até 120 dias de multa. No requerimento, a organização sindical manifesta ainda a sua intenção de vir a deduzir um pedido de indemnização cível. A sinalização é somente preventiva, para o caso de virem a existir "danos", nomeadamente dias de trabalho que acabem por não ser pagos aos funcionários judiciais.
Outra greve a decorrer
O JN contactou, esta quinta-feira, o Ministério da Justiça para obter uma reação da DGAJ e de Isabel Matos Namora, bem como para perceber o fundamento do pedido de parecer à PGR, mas não recebeu, até ao momento, resposta.
Além da greve convocada pelo SFJ, está ainda em curso desde 10 de janeiro de 2023, por tempo indeterminado, uma paralisação entre as 13.30 e as 24 horas, promovida pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça. As reivindicações exigidas pelas duas organizações sindicais são similares, incluindo a contratação de mais profissionais.
"Assumido o compromisso de que, durante o ano de 2023, vamos ter o estatuto dos oficiais de justiça, é preciso rever as carreiras para avançar para um novo leque de contratações", afirmou a 1 de fevereiro, na Assembleia da República, a ministra da Justiça. Para a semana, Catarina Sarmento e Castro deverá regressar ao Parlamento para, face ao impacte que as greves têm tido nos tribunais, voltar a dar explicações sobre o tema.