Magistrado jubilado contesta falta de sorteio na distribuição de processo sobre congelamento de carreiras e por substituição sistemática de Lucília Gago. Problema afeta dezenas de magistrados.
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A distribuição de processos sem sorteio, que é proibida na magistratura judicial e já este ano provocou a demissão do presidente da Relação de Lisboa, levou um procurador-geral-adjunto jubilado, Carlos Monteiro, a denunciar a "prática sistemática de ilegalidades graves" no mais alto patamar da magistratura do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Carlos Monteiro, autor de uma célebre queixa-crime contra o antigo procurador-geral da República Pinto Monteiro, acusa a PGR de ter escolhido a dedo os relatores de dois acórdãos e de um parecer de um processo em que se discutem os efeitos do congelamento das carreiras públicas entre 2011 e 2017, cujo resultado poderá afetar largas dezenas de procuradores na mesma situação. Imputa também uma "inversão ilegal da escala hierárquica" na PGR, com a "prática sistemática da substituição" de Lucília Gago pelo vice-procurador-geral, João Monteiro.
Uma e outra acusação constam, entre outras, do recurso que Carlos Monteiro interpôs de um acórdão da secção permanente para o plenário do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), cuja decisão estava agendada para dia 16 de junho, mas foi adiada, segundo informou a PGR, sem responder a outras perguntas do JN.
Vice esteve em todas
Carlos Monteiro foi promovido a procurador-geral-adjunto em 2004 e jubilou-se em 2014. Mas, por força do congelamento da progressão no índice remuneratório das carreiras, nos períodos 2005-07 e 2011-17, ficou a 10 meses do segundo escalão daquela categoria.
Com o decreto-lei 65/2019, destinado a mitigar os efeitos do congelamento sobre os corpos especiais do Estado, Monteiro calculou que, tal como os trabalhadores no ativo, também recuperaria ano e meio tempo de tempo de serviço. E requereu isso à PGR.
Em substituição de Lucília Gago, o "vice" designou, em setembro de 2019, um membro da secção permanente do CSMP, Barradas Leitão, como relator da resposta ao requerimento. Mas a questão era nova e complexa (o decreto é omisso sobre quem cessou funções durante o congelamento), pelo que a secção permanente recomendou à procuradora-geral que pedisse um parecer ao Conselho Consultivo.
O vice-procurador-geral escolheu o conselheiro Cura Mariano para relator do parecer. E, quando este foi emitido, designou como relator do acórdão Luís Martins, magistrado com categoria inferior à do requerente. O acórdão, seguindo o parecer, negou o direito do jubilado a recuperar qualquer tempo de serviço.
"A decisão recorrida faz tábua rasa da lei e constitui uma aberrante tômbola de irregularidades e um somatório de ilegalidades grosseiras", reage Carlos Monteiro no seu recurso. O ex-procurador do Tribunal Central Administrativo do Sul contesta a interpretação sobre a questão de fundo, mas também alegados vícios de forma.
É caso disso a "incompetência" que aponta ao vice-procurador-geral, afirmando que este assumiu funções de Lucília Gago sem evidências de despacho ou mandato para tal, bem como a violação de normas que exigem sorteio.
"A lei não admite ao vice-procurador-geral da República nem a outrem - nem sequer aos famosos presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa já indiciados pelo Ministério Público - os despachos de designação do relator", sustenta, ironizando com os casos de Orlando Nascimento e Vaz das Neves, alvos da Operação Lex, por suspeita de manipulação de distribuição de processos, com vista a favorecer o colega Rui Rangel, agora expulso da judicatura.
Novo regulamento só exige sorteio em disciplina e avaliação
Em 16 de junho, foi publicado um novo regulamento interno da PGR que veio estabelecer a exigência de sorteio só para processos disciplinares e de avaliação de mérito, deixando de fora outras espécies de processos, como o caso de Carlos Monteiro. Além disso, também impede vogais magistrados do CSMP de decidirem processos disciplinares e de avaliação relativos a magistrados de categoria superior. O relator do acórdão de que recorreu o procurador-geral adjunto Carlos Monteiro é um procurador da República (categoria inferior).