O Ministério Público (MP) e a generalidade das vítimas dos ataques informáticos atribuídos a Rui Pinto defenderam esta quarta-feira, em tribunal, que, apesar de ter confessado os crimes em julgamento, o mentor do Football Leaks não está arrependido dos seus atos.
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"Não estamos em crer que tenha interiorizado o desvalor das ações que praticou", frisou a procuradora. Marta Viegas pediu, por isso, que o hacker autointitulado denunciante seja condenado a prisão, sem quantificar a duração da pena pretendida nem se deve ser suspensa ou efetiva.
Para a magistrada do MP, só um crime de sabotagem informática contra o Sporting não ficou demonstrado em tribunal. O clube, assistente no processo, discordou.
Rui Pinto, de 34 anos, responde por 90 crimes, um dos quais por ter alegadamente tentado extorquir, em coautoria com o advogado Aníbal Pinto, o fundo de investimento Doyen Sports. O julgamento começou em setembro de 2020 e, na altura, o mentor do Football Leaks falou somente para declarar que tudo o que fizera fora "por um bem maior". Mais de dois anos mais tarde, já depois de terem sido ouvidas todas as testemunhas, aceitou ser interrogado.
"Foi necessária toda a produção de prova para o arguido vir, em declarações finais, assumir a prática de factos que já estavam abundantemente provados, sem grande relevância para a descoberta da verdade", avaliou Marta Viegas.
MP descarta cúmplices
A aparente falta de arrependimento de Rui Pinto foi invocada também pela advogada da Doyen Sports, Sofia Ribeiro Branco, para pedir pena de prisão efetiva para o hacker autointitulado denunciante. "Em si, tudo é normal. Já os outros não importa verificar se há alguma ilegalidade, basta Rui Pinto não estar de acordo", afirmou.
Sofia Ribeiro Branco apelou, ainda assim, que no caso de a pena ser suspensa, tal só aconteça mediante certas condições, como o encerramento definitivo do Football Leaks, a não criação de um site similar e a devolução às vítimas de "toda a informação exfiltrada".
Os mandatários da Federação Portuguesa de Futebol e de um dos advogados da sociedade PLMJ lesados pediram igualmente penas pesadas, alegando com a falta de arrependimento do arguido.
Procuradora e assistentes consideraram ainda pouco credível a versão apresentada por Rui Pinto no julgamento de que atuara no seio de um grupo de amigos, que não identificou. "Não possui qualquer contacto com terceiros. Não é conhecido ninguém que tenha ajudado o arguido à prática dos factos", justificou Marta Viegas, lembrando que, mesmo que os cúmplices existam, o arguido assumiu ter estado a par de todos os atos.
As alegações prosseguem amanhã quinta-feira, em Lisboa, com a defesa de Aníbal Pinto. Para o MP, o advogado, apenas acusado da tentativa de extorsão, deve ser punido também com prisão. O mandatário de Rui Pinto só deverá alegar na sexta-feira. Para já, não há data para a decisão dos juízes.
SABER MAIS
"Não é whistleblower"
Procuradora e ofendidos defenderam que Rui Pinto não é um whistleblower [denunciante], por não ter tido acesso à informação que divulgou enquanto trabalhador de qualquer uma das entidades que atacou.
MP rejeita ligação aos Luanda Leaks
O MP sustentou que não ficou demonstrado que a informação extraída tenha estado na origem dos Luanda Leaks. "Mais se dirá: [os ficheiros] não existem. A existirem, teriam sido exibidos", frisou a procuradora Marta Viegas.
Interesse público em causa
A acusação sustentou que Rui Pinto não atuou na defesa do interesse público, como alega. "O interesse público não é privilégio de alguns oráculos tecnicamente mais astutos", afirmou a magistrada do MP.