Há casos em que o arguido paga ou faz trabalho comunitário para evitar acusação. Outros são arquivados.
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Pouco mais de um décimo (11,5%) dos inquéritos instaurados por eventual crime de importunação sexual, de 2015 a 2019, terminou com a acusação dos suspeitos. Faz hoje cinco anos que a lei 83/2015, então chamada de "lei do piropo", entrou em vigor e alterou o crime de importunação sexual, passando a criminalizar também as "propostas de teor sexual". Até então, só eram crime atos de "carácter exibicionista" ou que constrangessem a vítima a "contacto de natureza sexual".
Ao todo, nos últimos cinco anos, o Ministério Público (MP) instaurou 4123 inquéritos e deduziu 476 acusações, numa média anual de 824,6 novos processos e de 95,2 despachos acusatórios. Esta percentagem de 11,5% de acusações, podendo parecer baixa, não é muito inferior à de todas as acusações deduzidas na totalidade dos inquéritos. Em 2019, por exemplo, só em 14% de um total de quase meio milhão de processos houve acusação.
Suspensão de processos
Euclides Dâmaso, procurador-geral adjunto que se jubilou recentemente, e o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, comentam também que o facto de 88,5% de inquéritos por importunação sexual terem terminado sem acusação não quer dizer que tenham todos sido arquivados por falta de indícios da prática do crime.
"Deve haver uma percentagem elevada de casos em que foi decretada a suspensão provisória de processo", explica Ventinhas, aludindo ao instituto de consenso em que o MP conclui que houve crime, mas propõe ao arguido que, por exemplo, faça trabalho comunitário ou pague a uma instituição social (as chamadas injunções), para evitar a acusação e conseguir o arquivamento ao fim de meses. "Isso é crime para se resolver através de suspensão provisória de processo, não é para se estar a importunar o juiz", atira também Euclides Dâmaso, anterior procurador-geral distrital de Coimbra.
Ontem à tarde, o JN perguntou à Procuradoria-Geral da República pelos números de casos de importunação sexual que terminaram com suspensão provisória, mas não obteve resposta. Um magistrado com funções de direção no MP lembrou ao JN que os sistemas informáticos de recolha de dados estatísticos nesta magistratura são relativamente rudimentares e não permitem diferenciar suspensões de processo (foram mais de 30 mil em 2019) por tipo de crime.
Queixa é indispensável
A desistência de queixa é outra explicação apresentada pelas fontes do JN para arquivamentos da importunação sexual, crime de natureza particular e punível com prisão até um ano ou multa até 120 dias. Na atual redação do Código Penal, comete-o "quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual".
O JN pediu ao Ministério da Justiça dados estatísticos sobre julgamentos e condenações por importunação sexual, mas não obteve resposta.