"Este vírus paramo-lo juntos" tem sido o lema do Governo espanhol durante a pandemia de covid-19, mas a mensagem não reflete a realidade política que se vive diariamente no país vizinho, tristemente imerso num "déjà vu" com dois bandos em confronto pelo poder.
Corpo do artigo
Desde que Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), tomou posse como primeiro-ministro do primeiro Governo de coligação na história da democracia espanhola, em janeiro, a oposição formada pelo Partido Popular (PP) e pelo Vox (extrema-direita) vem endurecendo as críticas ao executivo, qualificado como "ilegítimo".
"De uma oposição que dá as boas-vindas desta forma não se pode esperar que relaxe o discurso. Ainda se viveram umas semanas em que parecia que a emergência sanitária era mais importante do que a política, mas, com o passar do tempo, a oposição voltou à estratégia beligerante", analisa a politóloga Cristina Monge, da Universidade de Saragoça, comentadora na comunicação social espanhola.
Um Governo inexperiente
Praticamente sem tempo para assentar as bases do seu Governo, Espanha enfrentou uma crise sanitária sem precedentes. Mas só decretou o estado de emergência no dia 14 de março, já com mais de cinco mil casos notificados e 136 mortos com covid-19.
Além do novo coronavírus, Sánchez teve de lidar com muitas dificuldades, como os cortes na saúde pública, herdados do executivo de Mariano Rajoy (PP), ou a repartição das competências com as comunidades autónomas, "que sempre se queixaram da falta de poder para tomar as suas próprias decisões".
"A sua inexperiência pode ter influenciado os problemas do país. Porém, os erros cometidos pelo Governo, como a demora na hora de ordenar o confinamento, também têm sido cometidos noutros países da Europa", explica Monge quanto a uma atitude caloira do Executivo que se traduziu em contradições entre os seus próprios membros.
Do lado conservador da política espanhola, PP e Vox competem entre si para liderar a oposição. Durante a pandemia, o partido de Pablo Casado tem-se aproximado da extrema-direita com a intenção de ganhar votantes do Vox, que é "quem realmente marca a agenda política" e costuma aquecer os debates no Congresso dos Deputados com insultos e acusações ao Governo.
"Esta jogada costuma fracassar para partidos conservadores moderados, como já se verificou na Europa, sendo que, desta forma, quem ganha é a extrema-direita", sentencia a politóloga.
O Ciudadanos a recentrar-se
Quem voltou a ressurgir na cena política foi o Ciudadanos (centro-direita), que desempenhou um papel crucial ao apoiar o Governo na prorrogação do estado de emergência, enquanto o PP se opôs. Mas a prova de fogo para o partido "laranja" será quando começarem as negociações para o Orçamento do Estado.
"O antigo líder do Ciudadanos, Albert Rivera, equivocou-se ao tentar liderar a direita espanhola, mas a atual líder, Inês Arrimadas, está a tentar mudar o rumo para voltar a esse espírito de partido do centro. O seu papel charneira serve para fazer pactos com qualquer partido", indica Cristina Monge.
Para tentar paliar os efeitos económicos provocados pela pandemia, o Governo aprovou o rendimento mínimo garantido para 850 mil famílias. "Se o Governo não criasse esta medida, grande parte da população ficaria fora de jogo quando ainda nem se superou a crise económica de 2008".
A legislatura atual só acaba em 2024, pelo que Sánchez ainda tem pela frente um caminho longo e cheio de obstáculos. "A legislatura ia ser difícil sem pandemia. Depois desta crise sanitária e económica, ainda vai ser mais complicada, porque Sánchez governa com uma maioria muito escassa".
8M, ou o protesto que ameaçou estragar tudo
No dia 8 de março, milhares de pessoas marcharam pelo direitos das mulheres em Madrid, já a pandemia despontava no mundo. A justiça espanhola arquivou esta semana a investigação que visava responsabilizar o Governo por tê-la autorizado, ignorando avisos. "Naquela época ninguém tinha informações ou intuição sobre o que se estava a preparar. É preciso lembrar que por toda a Espanha continuou a haver jogos de futebol ao fim de semana e discotecas abertas", recorda Cristina Monge. Até porque houve, também, o congresso do Vox, cujo líder acabou mesmo infetado. "Se o Governo tivesse sabido que tudo isso ia acontecer, por que iriam ministros à manifestação, até acompanhados pelos filhos?" Irene Montero, do Podemos, foi uma delas. Também contraiu covid-19.
Saber mais
O tema catalão
O assunto da independência catalã ficou suspenso com a pandemia, tendo sido adiadas as eleições regionais, cuja nova data ainda não foi definida. Já as eleições na Galiza e no País Basco estão remarcadas para 12 de julho.
Sondagens estáveis
As sondagens mantêm a tendência anterior à pandemia, com poucas mudanças na intenção de voto da população. O PSOE segue à frente, com uma média de 26-27%, seguido do PP, com 24-25%. O Vox desce para 13% e o Unidas Podemos para 11%. Ciudadanos mantém-se nos 7-8%.