Criação de duas novas regiões não resolveu as desigualdades e nalguns casos até as agravou, dizem autarcas que falam em inconstitucionalidade.
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Há concelhos pobres que estão a perder muitos milhões de euros de fundos europeus por estarem inseridos em regiões ricas. Através da reforma já aprovada pela Comissão Europeia que criou duas novas regiões NUT II, o Governo conseguiu mitigar este efeito nalguns municípios da Margem Sul, mas muitos autarcas reclamam o mesmo tratamento e outros ficaram pior do que estavam.
A quantidade de fundos comunitários que é atribuída a cada região varia em função da sua riqueza. Quanto mais desenvolvida for a região, menos fundos de coesão recebe. Essas regiões, NUT II, passarão a ser nove em 2028, pois foram criadas recentemente duas novas: Oeste e Vale do Tejo e Península de Setúbal. Mantêm-se as restantes sete: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira.
Os concelhos que integram as novas regiões terão mais fundos a partir de 2028 pois, sendo considerados pobres à escala europeia, estavam a ser prejudicados por estarem inseridos na região de Lisboa onde estão concelhos ricos como Lisboa, Cascais e Oeiras.
"Lei é inconstitucional"
O problema é que ficaram na NUT II de Lisboa seis concelhos que também não são ricos: Amadora, Loures, Mafra, Odivelas, Sintra e Vila Franca de Xira. Estes municípios da Margem Norte vão ficar inseridos numa região mais rica estatisticamente (pois saíram os concelhos "pobres" da Margem Sul) e, por isso, serão mais prejudicados nos fundos que vierem da Europa.
Na semana passada, no Parlamento, o autarca de Mafra, Hélder Sousa Silva, referiu que a lei que criou as novas NUT II "é inconstitucional" e, por isso, desafiou os deputados a pedirem a fiscalização sucessiva. As contas feitas pelos seis municípios da Margem Norte indicam que estes são ainda mais pobres que os da Margem Sul que o Governo tirou da região de Lisboa para não serem prejudicados.
"Estes presidentes de câmara estão altamente insatisfeitos, lesados. Eu não digo que foi propositado, mas, de facto, há necessidade de, em primeiro lugar, suscitar a constitucionalidade da lei aprovada, porque o princípio da igualdade foi naturalmente beliscado", disse o autarca de Mafra.
Norte sem consenso
A Norte acontece o oposto, que são os concelhos ricos a receberem como se fossem pobres, em particular na Área Metropolitana do Porto (AMP).
Rui Santos, autarca de Vila Real, defende que "está na altura de olhar para norte" e repensar "a constituição da AMP, dela retirando os concelhos cujos indicadores ainda justifiquem a atribuição de fundos de convergência e agregando os restantes, os mais ricos, numa nova NUT II". Teoricamente, isto daria mais verbas aos concelhos mais pobres, com prejuízo para os mais ricos, que são o Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos e Maia. A ideia é defendida por vários autarcas do Norte, mas nem dentro da região o tema é consensual.
Por exemplo, António Cunha, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, já disse no Parlamento que "se a AMP deixasse a região Norte, o interior da região receberia verbas muito menores do que recebe hoje". A CCDR-N argumenta que no Norte já é feita "uma redistribuição interna" que beneficia os municípios mais pobres.
Calendário está fechado
Em reação às reivindicações, o Ministério da Coesão explica, ao JN, que "a constituição ou alteração das NUTS é comunicada ao Eurostat em ciclos que acompanham os quadros comunitários, sendo que a última comunicação - que ocorreu em fevereiro de 2022 - só deverá produzir efeitos no ciclo de quadro comunitário em 2028". O calendário para propor estas alterações "não tem, neste momento, data prevista de reabertura", acrescenta.
Ou seja, mesmo que o Governo queira aceder às reivindicações, será preciso que a Comissão Europeia e o Eurostat aceitem mudar o calendário previsto.
Impacto
Próximos anos são decisivos para se saber se o Alentejo perde fundos em 2028
A Sul, no Alentejo, há autarcas que estão "preocupados com a possível perda de fundos a partir de 2028" devido à reforma das NUT, disse um deles ao JN, não se querendo identificar. Isto pode acontecer pois, com a criação da nova região NUT II do Oeste e Vale do Tejo, o Alentejo perderá a sub-região da Lezíria do Tejo, que é composta por municípios pobres que mantinham o PIB per capita médio do Alentejo em valores baixos, permitindo captar mais fundos europeus. Assim, a perda ou a manutenção dos fundos europeus do Alentejo será calculada em função do PIB per capita da região nos próximos anos. Se subir muito, a região sobe de escalão e perde fundos. A CCDR Alentejo não respondeu às questões do JN.
Saber mais
O que são NUT II
A Nomenclatura das Unidades Territoriais (NUT) é a divisão regional de todos os países da União Europeia para fins estatísticos. Há três níveis de NUT. Em Portugal, há três NUT I (continente e regiões autónomas), sete NUT II, que passarão a ser nove, e 25 NUT III que são as sub-regiões.
Para que servem
As NUT II são importantes pois é com base no PIB per capita das NUT II que as regiões europeias são enquadradas como menos desenvolvidas (PIB per capita abaixo de 75% da média europeia), de transição (entre 75% e 90%) ou mais desenvolvidas (mais de 90%). As menos desenvolvidas são as que recebem mais.
Diferença de verbas
No bolo total dos programas regionais dos fundos de coesão, as regiões mais ricas recebem menos verbas e também têm taxas de comparticipação por projeto mais baixas. Assim, no próximo quadro comunitário, o Portugal 2030, cada projeto das regiões mais ricas só terá 40% de financiamento, ao passo que as regiões de transição terão 60% e as regiões pobres 85%.
Divisão de Portugal
Em Portugal, as regiões Norte, Centro, Alentejo e Açores são consideradas pobres. O Algarve é região de transição, ao passo que Madeira e Lisboa e Vale do Tejo são consideradas regiões ricas.