São 120 mil nas escolas públicas, mais 32 mil do que em 2021/2022. Docentes recorrem ao Google Tradutor para se fazerem entender.
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O boom de alunos estrangeiros a estudarem nas escolas públicas, incluindo milhares de crianças e de jovens que não falam português, tornou evidente a escassez de docentes de Português Língua Não Materna. Os professores tentam fazer-se entender como podem e o Google Tradutor tem sido uma ajuda indispensável para comunicar, sobretudo, com os seis mil refugiados ucranianos. O Ministério da Educação dá conta que, neste ano letivo, ingressaram 120 524 estudantes estrangeiros, ou seja, mais 32 491 do que em 2021/2022. Porém, mais de metade vem do Brasil.
Ana Josefa Cardoso, professora de Português Língua Não Materna (PLNM) no Agrupamento de Escolas do Vale da Amoreira, na Moita, garante que "a maior parte das escolas não tem recursos suficientes e os professores não têm formação para lecionar PLNM", pelo que quem tem fica "sobrecarregado". Catarina Reis Oliveira, diretora do Observatório das Migrações, confirma que, este ano letivo, se inscreveram 1692 alunos ucranianos a PLNM e, no anterior, apenas 372. Um aumento que atribui à chegada dos refugiados.
"A lei prevê que os alunos estrangeiros não sejam integrados em todas as disciplinas, enquanto não tiverem um certo nível de proficiência a Português", explica Ana Josefa Cardoso. "Mas precisam de conteúdos adaptados a todas as disciplinas, o que nem sempre sucede". Defensora do trabalho de equipa, dá o exemplo dos professores da sua escola que fizeram glossários de História, Geografia e Artes, com vocabulário específico para integrar os alunos ucranianos.
"Algumas escolas vão para além daquilo que está legislado e outras nem sequer cumprem a lei". Ao JN, o Ministério da Educação indica que foram criadas "medidas específicas" para promover a inclusão, a igualdade de oportunidades e o sucesso educativo de todos os alunos. Contudo, esclarece que cada escola tem autonomia para definir a oferta curricular mais adequada, de acordo com o "percurso escolar, o perfil sociolinguístico e a aferição do conhecimento da língua portuguesa de cada aluno". Além de aulas de PLNM, propõe tutorias ou mentorias, desporto escolar, clubes e oficinas.
Quarteira tem 53 nações
Dos cerca de 2800 estudantes do Agrupamento de Escolas Dra. Laura Ayres, na Quarteira, mais de 950 são de 53 nacionalidades. "Tenho uma turma do 1.º Ciclo só com uma aluna portuguesa", refere a diretora Conceição Bernardes. Os estudantes do Básico só têm algumas disciplinas com os colegas, como Educação Física, Música, Matemática e, eventualmente, Inglês. À medida que o nível de português melhora, frequentam menos horas de PLNM ou só o apoio a Português, e aumenta a carga horária das outras disciplinas. Recorrem, ainda, a um software para traduzir textos. "Os alunos com competências na língua inglesa têm planos de trabalho específicos, em função das aprendizagens essenciais, através de um trabalho colaborativo muito grande", assegura Conceição Bernardes. No Secundário, além do reforço de PLNM, está a ser aplicada uma medida que permite completar um ano de escolaridade em dois anos letivos. "Os alunos de Artes frequentam Desenho e, eventualmente, Geometria Descritiva e, no segundo ano, as outras disciplinas".
Manuel Pereira, da Associação de Dirigentes Escolares, diz que o "grande integrador" desses alunos são os colegas, pois nem todas as escolas têm professores de PLNM, apesar de considerar que todos deviam ter os mesmos recursos. Filinto Lima, da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, defende que a preocupação deve ser integrar os estudantes e ensinar-lhes português, e não pensar apenas nas aprendizagens.
SABER MAIS
Rede de escolas
A Associação de Ucranianos em Portugal está a ensinar a língua e a cultura portuguesas aos refugiados, aos sábados, numa rede de escolas. Há cerca de 150 docentes voluntários a dar aulas de Português.
À distância
Apesar de ser obrigatório matricularem-se em escolas portuguesas, há alunos ucranianos a estudar à distância, na expectativa de regressaram ao seu país.
Aproveitamento
A percentagem de alunos estrangeiros que conseguem concluir o Secundário é muito inferior à dos portugueses. Ficava-se pelos 78,7% em 2020/21.