Ministro demissionário responsável por um dos dossiês mais críticos da legislatura sai do Governo por "responsabilidade política". Camaradas do partido elogiam-lhe o legado e o caráter.
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No momento em que Pedro Nuno Santos se demite do Governo, elevando para onze o número de baixas no Executivo desde o início da nova legislatura, vários companheiros de partido vêm lembrar o legado do socialista e destacar-lhe as virtudes. Figura de relevo no PS e há muito apontado como possível sucessor à liderança e candidato a primeiro-ministro no futuro (inclusivamente por António Costa), o ministro da Habitação e das Infraestruturas demissionário, até agora responsável pelo complexo e pouco consensual dossiê da TAP, sai do Governo pelo próprio pé ao fim de algumas polémicas, mas leva consigo apoios de peso.
A começar por Ana Gomes. A antiga diplomata e candidata à presidência da República em 2020 (sem o apoio formal do Partido Socialista) reagiu à demissão de Pedro Nuno Santos, elogiando-o tanto pela decisão de se demitir como pela obra que deixou, não escondendo os desejos para o futuro do punho e da rosa, que espera passar pelo agora ex-governante de 45 anos - tanto exaltado como criticado pela rebeldia e coragem política que lhe são apontadas dentro do partido e do Governo, e que lhe deram a fama de "enfant terrible".
"Pedro Nuno Santos sai, como sempre esteve no Governo: com seriedade, convicção e dignidade. E com ambição para o país. A tempo de revigorar o Partido Socialista, espero", escreveu, no Twitter, a ex-deputada europeia, cujas divergências políticas com António Costa são públicas e se refletiram, várias vezes, em declarações da comentadora política.
"Ética republicana" e "legado da maior importância"
Naturalmente menos incisivas e mais lembrando o passando do que prevendo o futuro, outras vozes socialistas juntaram-se à de Ana Gomes no apoio ao político e economista de São João da Madeira, destacando-lhe o caráter e o trabalho nas pastas que tutelou.
Hugo Costa, coordenador do grupo parlamentar do PS da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, quis "sublinhar os sete anos como ministro e secretário de Estado" de Pedro Nuno Santos, elogiando, em declarações à RTP, a "ética republicana" que demonstrou ao demitir-se, por perceber que seria "o melhor para o país e para o Governo".
Dentro do Governo, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, disse hoje, em entrevista na TVI, que Pedro Nuno Santos, principal cara da ala mais à esquerda do PS, "fez um trabalho da maior importância", deixando "um legado com o Plano Nacional da Ferrovia e o Plano da Habitação", e a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, defendeu haver "um antes e um depois" do ministro nessas áreas.
Sublinhando que a saída não belisca a continuidade do Governo, que diz manter "todas as condições para fazer o seu trabalho", o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, também lamentou a décima baixa do Executivo, considerando que Pedro Nuno Santos, cuja "decisão individual" compreende, "deixa marcas" no ministério.
Em entrevista à CNN, a antiga ministra Alexandra Leitão também deixou elogios a Pedro Nuno Santos, que diz ter uma "visão global para o país", confessando que não antecipa o fim da sua carreira política. "Que mais não seja porque nenhum partido político - e o PS não é exceção - pode dispensar um quadro da sua qualidade", apontou a antiga governante, defendendo que o responsável pelas Finanças, Fernando Medina, "deve dar explicações" sobre o caso da indemnização da TAP e aconselhando ainda o Governo a "olhar para si sem arrogância e com humildade".
"Responsabilidade política" explica saída
Pedro Nuno Santos demitiu-se do cargo de ministro das Infraestruturas e da Habitação, justificando a saída com a "perceção pública e sentimento coletivo" gerados pela indemnização de 500 mil euros paga pela TAP a Alexandra Reis, por sair antecipadamente da administração da companhia aérea portuguesa, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos.
O governante demissionário negou envolvimento ou conhecimento do acordo entre a empresa pública tutelada pelo seu ministério e a agora ex-secretária de Estado do Tesouro, afastada por Medina dois meses depois de ter tomado posse no Governo, mas assumiu a "responsabilidade política" do caso. Quem também saiu de cena foi o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, que "não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada". Com estas duas novas saídas, sobe para dez o número de baixas no Governo, desde que o Executivo tomou posse, em março.