Um litro das marcas brancas pode chegar próximo dos 90 cêntimos. Produtores dizem que é o justo, não para ficarem ricos, mas para fazerem face às despesas.
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O preço do leite quase duplicou em menos de um ano. A mais recente subida de oito cêntimos por litro pago ao produtor já começa a pesar no bolso dos portugueses: as marcas brancas sobem os preços de venda ao público para próximo dos 80 cêntimos; as restantes andarão acima dos 90. O aumento vai tirar Portugal do último lugar da tabela dos que mais mal pagam à produção na Europa e, espera-se, travar a queda vertiginosa do número de explorações. Por enquanto, ainda somos autossuficientes, mas os produtores avisam: se não se fizer nada, será por pouco tempo.
Nas prateleiras do supermercado, a subida de preços já se nota: no Pingo Doce, o leite UHT de marca branca subiu 10 cêntimos e custa, agora, 78 cêntimos. Agros e Mimosa estão a 92 e 95 cêntimos, respetivamente. O expectável é que todas as cadeias façam, agora, refletir no consumidor um aumento semelhante para fazer face aos custos da produção.
Contas feitas, para o produtor o leite passou dos 29,98 cêntimos de dezembro de 2021 para os 54 em outubro (+80%). Para o consumidor, a subida foi de 41 cêntimos para os 78 por litro na marca branca (um aumento de 90%). Tudo em menos de um ano.
guerra e seca agravam
Carlos Neves, secretário-geral da Aprolep - Associação dos Produtores de Leite de Portugal, diz que os produtores passaram a receber em média 54 cêntimos. "Não vamos ficar ricos, porque também nos custou tudo mais a produzir, mas espero que sobre alguma coisa para pagar o défice que ficou para trás", explica.
O ano de 2021, conta, foi negro para a produção de leite: a pandemia fez subir os custos de produção, os preços esmifrados não cobriam as despesas, o país andou sempre na cauda dos que mais mal pagam na Europa. Em 2022, a guerra e a seca agravaram o cenário: as rações subiram 75% - a Ucrânia era o nosso principal fornecedor de milho (ler caixa) -, subiu a eletricidade, dispararam os combustíveis. Contas feitas, gasta-se cerca de 50% mais para produzir um litro de leite.
O país - que em seis anos perdeu 70% das explorações do continente, são agora 1636 - continuou a ver os produtores abandonarem a atividade. São agora menos 217 do que em 2021 (-159 só no continente). Só a Agros perdeu, em dois anos, cerca de 200 produtores.
Aumento histórico
Findo o verão, e com os preços à produção cinco cêntimos por litro mais altos em Espanha, a indústria foi "forçada" a subir preços, sob pena de ver os seus produtores optarem por contratos com o país vizinho. A Jerónimo Martins, detentora da cadeia de hipermercados Pingo Doce, foi a primeira. A partir de 1 de setembro, deu um aumento extra de oito cêntimos, além dos três já anunciados para todo o mercado. As outras seguiram-se, entre elas a Agros - a união de 44 cooperativas que, sozinha, agrega 900 produtores e que, juntamente com a Lacticoop e com a Proleite/Mimosa, constitui a gigante Lactogal. Os aumentos entraram em vigor a 1 de outubro.
"Há uns anos, víamos desistir produtores com 60 ou mais anos, sem dimensão e sem descendência. Agora, vemos fechar vacarias com centenas de animais de produtores relativamente jovens", assegura Carlos Neves. Quem todos os dias trabalha duramente 12 a 14 horas para fazer chegar o leite à mesa queixa-se de que não é pago ao preço justo e deixa um alerta: "Um litro de leite é mais barato que um café! Não podemos continuar neste caminho de desvalorização do leite, usado como "isco" nos hipermercados para atrair clientes".
Para o secretário-geral da Aprolep, os aumentos deverão "trazer, de novo, a confiança". Só espera que não seja "sol de pouca dura", porque, caso os custos de produção voltem a subir e o preço demore, como desta vez, quase dois anos a acompanhar, "as pessoas estão cansadas e vão desistir".
Cereais
Dependência externa é muito preocupante
Portugal produz apenas 6,3% do trigo e 23,7% do milho que consome, 19,3% se considerados todos os cereais. A situação, diz a Comissão Europeia, é "especialmente preocupante" e pode "provocar quebras no abastecimento". Nos 27 países da Europa, só Malta é pior. Em 30 anos, a produção de trigo caiu 90%, a de milho para metade, perdemos a autossuficiência em centeio e aveia. A pandemia trouxe o problema para a ordem do dia. A seca e a guerra fizeram o resto. As quebras no abastecimento de cereais fizeram subir os preços de farinhas, bolachas, massas e arroz. No milho - muito usado na ração das vacas -, a Ucrânia era o nosso principal fornecedor. Num ano, o preço da tonelada subiu 30%.
Mais dados
Consumo desce
Em média, cada português consome 66,1 quilos de leite por ano. Em 13 anos, o consumo desceu 22,8 quilos/per capita/ano. O consumo de iogurtes mantém-se estável. Só o queijo cresce.
Porque se bebe menos leite?
Por um lado, as razões de saúde como as alergias ou a intolerância à lactose; por outro, a opção, cada vez mais comum nas gerações mais jovens, por uma alimentação vegetariana, motivada por preocupações de sustentabilidade do Planeta e bem-estar animal.
Autoprodução
Entre os principais produtos lácteos, Portugal só produz o suficiente para as necessidades no caso do leite embalado. O grau de autoaprovisionamento no queijo ronda os 60% e nos iogurtes passa pouco dos 40%. A aposta nos chamados produtos de valor acrescentado é, há muito, reclamada pelos produtores.
Outras bebidas
Entre 2019 e 2020, o mercado português de bebidas alternativas ao leite cresceu 26%. Ainda assim, longe dos 52% de crescimento na Alemanha.