Medicamento é usado para tratar outros carcinomas em Portugal, mas não o triplo negativo. Programa de acesso precoce em avaliação.
Corpo do artigo
Sandra Gomes tem 40 anos e está a lutar contra uma recidiva de um cancro da mama do tipo triplo negativo que lhe apareceu em 2016. No hospital onde tem sido acompanhada, falaram-lhe de um tratamento de imunoterapia que podia fazer a diferença. Só que, por a administração do fármaco em causa não estar disponível para tratar aquele carcinoma no Serviço Nacional de Saúde (SNS), continua sem acesso a ele. Vera Almeida, 37 anos, está a ser tratada na Fundação Champalimaud e a terapia custa cem mil euros. Teve de hipotecar a casa. Joana Neves só por sorte soube que este medicamento existia e usou o seu seguro para ser tratada em Madrid. São três de várias mulheres que desesperam pelo acesso gratuito ao pembrolizumab.
Trata-se de um fármaco inovador, usado no SNS para outros tipos de cancro, que melhora as hipóteses de sucesso na luta contra a doença. Quanto ao carcinoma da mama triplo negativo, um dos subtipos mais agressivos e perigosos, a sua utilização foi aprovada pela Agência Americana do Medicamento e pela Autoridade Europeia do Medicamento, em abril de 2022, no caso de tumor "localmente avançado ou localizado com alto risco de recidiva". No entanto, continua sem o aval do Infarmed. Em julho de 2022, a Autoridade Nacional do Medicamento deu resposta negativa a um primeiro pedido de programa de acesso precoce (PAP). Agora, contactada pelo JN, adiantou que a decisão está em "processo de revisão" [ler caixa]. Vera diz que é a resposta que recebe "há dois meses".
Enquanto isso, o tratamento continua reservado aos doentes que o possam pagar do seu bolso. Ou que tenham seguros "generosos". É o caso de Cláudia Pereira, 41 anos. E de Susana Borges, de 48.
Hospitais não informam
Cláudia ainda tentou fazê-lo através da ADSE, mas o pedido foi rejeitado. Só mais tarde percebeu que o seguro cobria - pelo menos, algumas sessões. Mesmo assim, não cala a indignação. "Senti na pele a angústia de saber que havia um tratamento que me poderia salvar e de achar que não o podia fazer. Imagino quem não pode mesmo. É muito injusto." Susana Borges, médica (psiquiatra, no caso), vai mais longe. "Acho isto um crime. Este cancro tem um índice de proliferação muito rápido e, se há um tratamento que ajuda a reduzir rapidamente os gânglios para que a cirurgia seja eficaz, não garantir acesso a ele é permitir que mulheres novas morram."
Joana Neves, 46 anos - que, também graças a um seguro, está a fazer tratamento em Madrid -, soma a estas outra indignação. No hospital em que estava a ser acompanhada, nem lhe falaram deste tratamento. Soube porque viu uma petição lançada por Vera, pelo acesso ao fármaco. Quando confrontou a equipa médica que a acompanhava, disseram-lhe que, como a maior parte dos doentes não o pode pagar, evitavam falar nele, "para não criar ansiedade". A resposta, garante, foi replicada por outros clínicos com quem falou mais tarde. "O que mais me revolta é o facto de nos tirarem o direito à informação quando falamos de um tratamento que nos pode salvar." Vera, a autora da petição com quase 30 mil assinaturas entregue no Parlamento, deixa outro alerta. "Enquanto esperamos, há vidas que se estão a perder".
PAP
Empresa propõe tratar 50 doentes gratuitamente
Questionado pelo JN, o Infarmed confirmou que a empresa titular do medicamento (MSD Portugal) submeteu um pedido de acesso precoce (PAP), "propondo o tratamento gratuito de 50 doentes". A farmacêutica detalhou a administração: "Em combinação com quimioterapia como tratamento neoadjuvante e, de seguida, continuado em monoterapia como tratamento adjuvante após cirurgia".
DETALHES
Promissor
Segundo um ensaio clínico de fase 3, que estudou a resposta ao tratamento em casos de cancro da mama do tipo triplo negativo, a utilização do fármaco em combinação com quimioterapia neoadjuvante traduziu-se numa melhoria ao nível da eliminação de células cancerígenas de 13,6% e de um incremento da taxa de sobrevivência de 7,7%.
Para que é usado?
O pembrolizumab é já usado no Serviço Nacional de Saúde para tratar outros tipos de cancro, como os melanomas, alguns tipos de carcinoma do pulmão, bexiga, cabeça, pescoço e linfoma de Hodgkin.