À semelhança do que aconteceu com a maior parte de nós, a invasão da Rússia à Ucrânia parece ter dessintonizado Luís Montenegro dos desafios da política nacional. O problema é que, ao contrário da maior parte de nós, ele quer ser líder do PSD.
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Todos sabíamos que ele voltaria, só não sabíamos quando. Voltou esta quarta-feira. Luís Montenegro, 49 anos, ex-deputado e antigo líder parlamentar de Pedro Passos Coelho (2011-2017), apresentou formalmente a sua candidatura à liderança de um partido que Rui Rio deixa, para usar um triplo eufemismo, estilhaçado, minado e sem identidade.
O diagnóstico interno do principal partido da oposição é tão visível a olho nu, que se torna difícil perceber como é que Montenegro - a ensaiar o comeback desde janeiro de 2020, altura em que enfrentou Rio no congresso - não começou a sua declaração ao país, proferida a partir da sede do partido, em Lisboa, logo por aí. Por anunciar que, entre os seus principais propósitos, está não apenas unir o partido que ofereceu uma inesperada maioria absoluta ao PS há apenas dois meses, mas também repensá-lo, reformá-lo, refrescá-lo. Em suma, reinventá-lo de acordo com os desafios que se seguem, e que não são nem um decalque dos desafios do passado, nem mais fáceis.
Este terá sido o segundo erro deste regresso: falar para os portugueses em vez de falar para os militantes, fazendo a análise do país (recessa, ainda por cima) em vez de fazer a avaliação da própria casa. Foi o segundo erro, porque o primeiro, mais grave, foi anunciar, a pés juntos, que vem para ser primeiro-ministro. Disse-o quando o Governo, ainda mal sentado, acaba de ser eleito para uma legislatura que terá mais de quatro anos, e meia dúzia de dias depois de o presidente Marcelo Rebelo de Sousa ter avisado António Costa que não poderá deixar de brincar aos Governos quando a Europa lhe oferecer um brinquedo melhor.
Montenegro regressou, portanto, sem a humildade que se lhe exigia, sem noção do caminho das pedras que terá de percorrer - não falou das eleições na Madeira, já em 2023, nem das enormes dificuldades que terá em 2024 para conseguir manter os atuais seis deputados no Parlamento Europeu, nem tão pouco de não ter sequer assento parlamentar ou pessoas da sua confiança lá sentadas -, voltou sem exibir a mais pequenina brisa de frescura, de novidade, de futuro. Na sua cesta discursiva trouxe apenas o mesmo manto cinzento com as mesmas frases, os mesmo chavões e, acima de tudo, um desejo claro: a sede de poder.
O que é o PSD hoje? Alguém sabe? Saberá o PSD que o mundo mudou? E depois, o terrível timing para o anúncio. Luís Montenegro escolheu apresentar a sua candidatura às diretas de 28 de maio esta quarta-feira, véspera de o programa do Governo ser discutido no plenário do parlamento (será esta quinta e sexta-feira). Não satisfeito com o cocktail de erros, ainda surgiu acompanhado por alguns dos rostos mais conhecidos da troika. Pior era impossível. A boa notícia para Montenegro é que a partir daqui só pode melhorar. A boa notícia para Jorge Moreira da Silva, que vai anunciar a sua candidatura no dia 14 deste mês, é que ainda tem tempo para não cometer os mesmos erros.
Igualmente dessintonizado, com contornos ainda mais inacreditáveis, continua o PCP. No dia em que foi aprovado o convite ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para que fale ao parlamento português, Paula Santos, líder parlamentar comunista, lembrou-se de dizer que o convite contraria a paz. Importa-se de repetir?, apetece perguntar.
Eis a frase: "A Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, não deve ter um papel para contribuir para a confrontação, para o conflito, para a corrida aos armamentos. O seu papel deve ser exatamente o oposto. O papel da Assembleia da República deve ser um papel em defesa da paz." Sim, vale a pena refletir, não tanto na frase mas no que passa pela cabeça do PCP. O que é o PCP hoje? Alguém sabe? Saberá o PCP que o mundo mudou?
Mudou mesmo. Só na Ucrânia, ao 42º dia de guerra, continua tudo igual, sem que, aparentemente, a Europa e os EUA tenham força ou vontade suficiente para travar, como disse Joe Biden, e bem, o "carniceiro" que é Vladimir Putin. Continua a destruição, continuam os ataques aéreos, os bombardeamentos, os disparos a sangue frio, as torturas, as violações de mulheres, o mais gritante e abjeto desrespeito pelos direitos humanos e por tudo.
Enquanto continua a ser planeada uma pouco mais do que estéril sucessão de sanções, além do sucessivo aumento de orçamento para reforço militar, em França, a extrema-direita de Marine Le Pen aproxima-se perigosamente de Emmanuel Macron. A corrida presidencial acontece já a 10 de abril. Nenhum país está seguro, avisa Zelensky. Boa sorte, mundo.