Alguns autores das relações internacionais e da ciência política, a propósito do conflito Ucrânia-Rússia, têm falado da possibilidade de estarmos a viver um ciclo que se poderá consubstanciar numa nova ideia de ordem internacional.
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Com efeito, a atual ordem internacional, de pendor liberal, deve muito aos catorze pontos do presidente norte-americano Woodrow Wilson, a seguir à Primeira Guerra Mundial, sendo fundada e concretizada após 1945.
Com o final da Segunda Guerra Mundial foi necessário constituir uma nova ordem assente na aparente solidez da Organização das Nações Unidas, corrigindo os erros da Sociedade das Nações e permitindo o direito de veto, no seu Conselho de Segurança, aos vencedores da guerra. Foi possível atravessar vários ciclos de vida desta ordem internacional, umas vezes de equilíbrio outras de confronto, sem a possibilidade de um novo conflito, com características nucleares, a uma escala mundial.
O primeiro momento vai de 1945 ao final da guerra fria, simbolizado na queda do muro de Berlim, em 1989, com uma rivalidade entre os EUA e a URSS. Um segundo ciclo até ao 11 de Setembro de 2001 de hegemonia norte-americana. O terceiro momento, até à guerra Ucrânia-Rússia, de interferência com coligações entre os EUA e os seus aliados europeus onde o Iraque e o Afeganistão ficam como os casos mais complexos e sem resultados. Este último ciclo, com cerca de um ano, está a evidenciar um acentuar da rivalidade entre os EUA e a China. Os dados e a avaliação deste novo ciclo não deixam de nos alertar para o perigo que se vive. Esta fase tem proporcionado um acentuado alinhamento entre os EUA e os seus parceiros europeus da NATO, ainda que, no caso europeu, parece ser evidente, cada vez mais, existir uma divisão entre a nova e a velha Europa.
Ao mesmo tempo, alguns estados parecem querer criar alternativas à ordem internacional liberal e democrática. Não falamos só do Irão ou da Coreia do Norte, há muito desalinhados, mas da Índia, da Turquia ou da África do Sul. Esta nova realidade está a ser construída enquanto se desenvolve o conflito no Leste da Europa sem um fim à vista. O historiador Niall Ferguson alerta-nos que "hoje já não é possível falar de uma ordem liberal internacional como de algo que se possa dar como adquirido. Essa ordem tornou-se desordem, no sentido em que a democracia foi adulterada".
Consequências desta nova realidade poderá ser um mundo menos globalizado já que o comércio, que foi uma porta para a paz, parece não conseguir responder a este novo equilíbrio do terror.
A mediação da China, ao permitir o reatar de relações diplomáticas entre o Irão e a Arábia Saudita, mostra como o império do meio está a jogar forte no campo dos americanos.
Esperemos que o Ocidente não caia na armadilha de Tucídides e compreenda as lições da História.
* Professor universitário de Ciência Política